Uma das primeiras coisas que o investidor procura quando tem que decidir se investe ou não num pais é a estabilidade política. Cabo Verde tem também alternância dos partidos no governo o que mostra força institucional, e um dos melhores resultados da África em liberdade de imprensa, em corrupção e em qualidade democrática segundo Freedom House, Tansparency Internacional, EIU. Além da já comentada estabilidade política, quais são as vantagens que o país tem comparado com outras economias da região?
Cabo Verde, com as limitações que tem a todos os níveis, se não tivesse essa estabilidade que tem permitido fazer planificação e ser consequente em termos de estratégia de desenvolvimento, teria tido uma desenvolvimento muito mais lento e seria muito mais difícil tornar o país viável. Nós temos essa vantagem de ter uma estabilidade social que pode ser consequência ou causa da estabilidade política. Nós não temos determinados problemas que são recorrentes no resto do continente africano, nomeadamente conflitos étnicos, religiosos ou questões tribalistas. Nunca houve violência associada a questões políticas em períodos de eleições. Durante a transição do partido único em 1991 com as primeiras eleições multipartidárias, havia algum receio de como as coisas iriam acontecer devido à experiência de outras paragens do continente, mas foi um processo perfeitamente tranquilo em que as pessoas deram uma lição de grande maturidade e responsabilidade no seu comportamento.
Isso é uma característica genérica do povo cabo-verdiano, mesmo para o mundo o investidor é algo a ser levado em consideração. Nós fomos sempre uma sociedade aberta, com facilidade em lidar com aquilo que vem de fora, em absorver outras culturas, em lidar com novidades nas mais diversas áreas, mesmo quando consideramos as franjas mais rurais. Se considerarmos determinadas ilhas como São Vicente, com Mindelo, que é uma ilha que só se desenvolveu devido a essa relação com o exterior, isso torna-se ainda mais verdade. Somos uma economia completamente aberta ao exterior, uma economia mundial. Por outro lado, também pode ser uma desvantagem o fato de estarmos muito vulneráveis em relação ás oscilações da economia mundial.
Um outro aspeto é o nível de educação da população. Nós tivemos grande sucesso, desde 1975, na retorção de forma radical dos níveis de analfabetismo e passamos a fase de erradicação do analfabetismo para a fase de instrução avançada da nossa população e também por essa via essa é uma vantagem que nós temos relativamente ao investimento estrangeiro. Todos os investidores têm essa opinião de que a nossa mão-de-obra é uma mão-de-obra muito facilmente treinada, que se adapta com facilidade aos processos produtivos e que é uma vantagem para quem quer investir em Cabo Verde.
É um país com potencialidades muitos grandes, nomeadamente no turismo onde reside uma das grandes vantagens em termos de oportunidades e investimento estrangeiro. De uma forma geral, temos tido a nível do governo uma postura business friendly sobretudo desde a década de 90, tem havido sempre essa preocupação de atrair algum investimento. O que tem variado é a postura concreta de cada governo e a forma de chegar a esse objetivo.
Outro dos objetivos do novo governo é colocar o país dentro do top 50 do ambiente de negócios (DBR) tendo como alvo principal a atracão do investimento direto estrangeiro e a criação de empregos. Quais são os obstáculos os quais o Governo deve lutar para facilitar a criação e o sucesso das empresas em Cabo Verde?
Os desafios são muitos, e estão identificados. Nesse país temos muito o hábito de fazer estudos de modo que há muito diagnostico dessas situações: a questão fiscal, a questão do financiamento à iniciativa privada, da unificação do mercado interno, a eliminação de obstáculos artificiais ao desenvolvimento, que são no fundo questões burocráticas e administrativas. No fundo, o funcionamento do aparelho do Estado é uma questão que deve ser encarada de forma urgente e o essencial das reformas deve sentar-se nessas questões, porque é aí que residem os nós que ainda existem em termos de desenvolvimento da nossa economia. Tem de haver uma atuação do governo, muito intensa e muito eficaz nessas matérias. Há muita coisa que foi feita ainda no decurso do mandato anterior que tem de ser visto de forma radical.
A questão fiscal é uma dessas matérias. Nos últimos três anos houve uma reforma tributaria que foi implementada pelo anterior governo. Fez-se uma verdadeira revolução através da arquitetura legal do nosso sistema fiscal que não foi bem pensada e que veio introduzir muitas indefinições no sistema fiscal cabo-verdiano, que acabou por complicar bastante a vida aos empresários e que agora está numa fase de ser revista. O novo governo já constituiu uma task force que está já a trabalhar, para precisamente fazer a revisão dessa legislação e eliminar todos aqueles aspetos que são considerados mais gravosos em termos da atividade privada. É das medidas mais urgentes que esse governo tem de tomar.
O Senhor Belarmino lamentou várias vezes a falta de diálogo entre os empresários e o Governo precedente. Tem melhorado a situação com o novo Governo do Primeiro Ministro Correia e Silva? Quais são as relações atuais entre os empresários e o Governo?
A política e as medidas tomadas apresentadas vão nesse sentido. Estamos numa fase de preparação entre as câmaras do comércio, o governo mais algumas organizações empresariais e o grande encontro nacional, cimeira entre o setor público e o setor privado, poderá ser no mês do Novembro, onde se pretende estabelecer uma nova plataforma de diálogo e relacionamento entre o setor privado e o setor público.
Queremos tornar o diálogomais fluido, com um relacionamento mais eficaz e também com a perspetiva de passar para o setor privado muitas competências que estão nesse momento no público, mas que podem ser desenvolvidas com vantagem pelo setor privado: o licenciamento da atividade económica, a competência a nível de gestão e de apoio ao setor privado.
Há muitos fundos que foram criados e que são financiados com taxas diversas e que, supostamente, destinavam-se a apoiar o desenvolvimento de áreas ligadas ao setor privado mas nos quais o setor privado não tinha intervenção e ficava à margem. Aquilo que se pretende agora é que o setor privado, nomeadamente os seus legítimos representantes, tenham uma intervenção mais efetiva na gestão desses instrumentos e que tudo quanto possa ser feito pelos próprios autores do setor privado seja transferido do Estado. Há neste momento uma postura de maior diálogo, relativamente ao setor privado e aos seus representantes.
Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva nomeou vários sectores prioritários como as tecnologias de informação e comunicação, o turismo, as energias renováveis e o sector aéreo e logístico como principais potencialidades da economia cabo-verdiana para se tornar uma referência no continente Africano. Muitas dessas iniciativas como os hubs marítimo e aéreo situam-se em ilhas de Barlavento. Concorda a CCB com essa visão? Como vão acompanhar os empresários este novo Cabo Verde que queremos mostrar nas páginas de HBR?
Para nós, o importante é o negócio. Ao longo dos tempos tem havido uma sucessão de conceitos. No fundo significa que é pegar no potencial dos diversos atores económicos e pôr isto tudo em sinergia, em concertação e gerar uma dinâmica de negócio à volta de um determinado setor ou setores. Naturalmente que a ilha São Vicente e a ilha do Sal, têm um grande potencial em termos do negocio do mar, e a volta do ar e do aeroporto.
O Sal só existe porque foi construído na década de 40 a primeira pista de aterragem -pelas características da ilha, muito plana, um autêntico porta-aviões no meio do oceano- e tudo o resto acabou por se desenvolver à volta do aeroporto. O Sal foi ganhando importância como ponto de escala do tráfico aéreo transatlântico e a ilha foi crescendo economicamente e em termos de população à volta do aeroporto. O turismo veio muito depois. As primeiras experiências do turismo na ilha do Sal vão de meados da década de 80 com o primeiro hotel construído em Santa Maria, que hoje é o hotel que é muito grande e começou como um pequeno hotel. (hotel Morabeza).
Com São Vicente aconteceu a mesma coisa, só por causa do porto é que a ilha se desenvolveu. Há um certo know-how e deve-se continuar a fazer um esforço estratégico de clusterização ou huberização dessas atividades para se poder extrair todo o seu potencial. No que diz respeito à economia marítima, o bunkering é super importante e há milhões de navios que passam à volta e temos que agarrar uma fatia desse mercado.
A maior indústria de Cabo Verde é o turismo, representando 24% do PIB e 20% do emprego. É uma indústria vital para os planos do Governo no futuro a médio e a curto prazo como nos disseram o Senhor Primeiro Ministro e o Ministro da Economia e Emprego. Atualmente há intenção de diversificar o sector para aproveitar todas as suas potencialidades e o turismo de cruzeiros aparece como um nicho de futuro. Praticamente inexistente em 2000, atrai agora mais de 80.000 turistas ao ano. Qual é a potencia deste sector e quais seriam as infraestruturas necessárias ao nível dos portos para cumprir com as expectativas?
O Governo tem de criar um quadro geral para o funcionamento da atividade, tem de criar os regulamentos e tem de investir em infraestruturas, mas caberá ao setor privado promover o negócio, porque o turista quando vem para uma estadia para além de beleza natural que pode encontrar na ilha vem à procura de um conjunto de atividades que lhe dê prazer. Isso os privados têm de estar presentes com os negócios mais diversos, ao nível do entretenimento e ao nível dos transportes. Para que isso aconteça tem de a ver essa sinergia entre o governo central, o governo local e o setor privado, para que se faça a construção do destino. É preciso ver Cabo Verde inteiro como um destino de cruzeiros, para que os barcos possam vir fazer várias escalas, cada ilha tem o seu encanto particular e há que explorar cada uma.
Neste momento os barcos de cruzeiros que vêm a Cabo Verde, são barcos que fazem a rota Santiago-Canárias. Fazem uma extensão aqui em Cabo Verde e voltam, ou barcos que fogem ás rotas de cruzeiro transatlântico da Europa e que vão para o Brasil e a América do Sul.
O que nós temos é de construir nessa região uma zona de turismo com vários pontos de escala de maneira a que tenhamos aqui barcos estacionados dedicados a esta zona turística. Permitiria dinamiza uma outra parte do negócio que é a parte do turn around. São Vicente ou a Praia passariam a ser o pontos onde os turistas chegam aos navios quando começam ou terminam os cruzeiros. Tem também um efeito muito estimulante em termos da economia, mas só se tornará realmente interessante se houver de fato cruzeiros dedicados. Há um projeto para um terminal turístico de cruzeiros aqui em São Vicente, há um projeto de uma eventual pista nos aeroportos para a criação de condições para receber voos internacionais noturnos, mas isso só é rentável se houver essa massa critica gerada por um grande número de turistas de cruzeiro que façam o tal turn around.
Quais são os serviços oferecidos pela CCB para conseguir o seu objetivo de “Promover e explorar todas as potencialidades económicas da região”?
Em primeiro lugar, nós damos apoio aos associados que se lançam nas diversas áreas da atividade com os seus negócios. É uma câmara abrangente que tem as funções de câmara do comércio indústria e agricultura dos serviços de Barlavento. Com a criação da câmara de turismo a parte do turismo acaba por ser assumida por essa câmara. Nós procuramos dar todo o apoio ao associado no desenvolvimento da sua atividade. Procuramos dar esse apoio das mais diversas formas, nomeadamente através da consultoria técnica, apoio técnico, ao negócio através do apoio na busca de financiamento e no apoio a busca de novos mercados para ajudar os nossos empresários a conseguir novos parceiros de negócios. Temos uma atividade muita intensa em termos de formação. Temos a preocupação de dotar os nossos empresários do conhecimento necessário ao desenvolvimento do negócio, nós temos uma outra parte da nossa atividade que nos consome grande parte do tempo e recursos que é a intermediação institucional. Somos os porta-vozes dos empresários perante o setor público, esperamos resolver os problemas quer numa perspetiva global coletiva, mas também problemas concretos que nos colocam, um dos problemas que nos colocam de ser necessariamente em consonância e concertação com o governo de procurar resolver um dos grandes constrangimentos que é do setor privado que é o acesso ao financiamento. As grandes empresas têm outras fontes a que podem recorrer. Essa é uma das grandes batalhas que nós temos vindo a travar que é o de encontrar alternativas de financiamento ao setor privado.
A CCB se define como “o seu parceiro credível e indispensável de qualquer investidor que procura a região Norte de Cabo Verde”. O Que é que a CCB tem para oferecer aos potenciais investidores estrangeiros que queiram entrar neste mercado?
A CCB tem como função principal o de acompanhar o potencial investidor. Muitas vezes um investidor privado chega ao país e precisa conhecê-lo em termos económicos, precisa de se aperceber da realidade a nível do setor privado, as oportunidades de negócio, o quadro de investimento e em grande parte dos casos procuram a Câmara do Comércio. Existem instituições públicas vocacionadas para o atendimento ao investidor estrangeiro e então nós encaminhamos e fazemos o seguimento do processo junto dessas instituições. Uma outra vertente é o de fazer o matching com os potenciais parceiros locais para investimento. Nós conhecemos os empresários e em função daquilo que é o interesse do investidor nós fazemos a prospecção, sondamos os empresários colocando-os em contacto, disponibilizamos as nossas estruturas nas diversas ilhas além da sede aqui em São Vicente. Nós temos delegações nas ilhas do Sal, Santo Antão e Boa Vista e ainda uma antena na ilha de São Nicolau com uma estrutura minimamente necessária ao funcionamento. Fazemos contacto com as autoridades locais nas diversas ilhas e procuramos ajudar tanto quanto possível para que esse investidor se sinta enquadrado.
A CCB a e CCISS estiveram presentes faz alguns dias na assinatura de uma nova carta de colaboração EUA-Cabo Verde para aumentar a competitividade das empresas cabo-verdianas para aproveitar melhor as vantagens do AGOA para a exportação aos EUA. O que é que esse novo acordo significa em termos práticos para os empresários cabo-verdianos? Qual é a importância do mercado EUA para os empresários e a suas potencialidades?
Nós temos um sentimento agridoce relativamente ao AGOA porque é um programa com muitas potencialidades só que Cabo Verde nunca foi capaz de explorar plenamente este potencial. Foi eventualmente falha em termos de apropriação daquilo que foram as vantagens desse lado nacional e creio que também a nível público do governo que nunca conseguiu criar uma interface eficaz com o setor privado para o melhor aproveitamento do programa. Enquanto determinados países como a Etiópia, Uganda conseguiram extrair bastante vantagem do AGOA, em Cabo Verde a experiencia foi bastante mitigada. Houve uma exportação ocasional de têxteis para os EUA e de uma forma um pouco mais consistentes de bebidas alcoólicas: aguardente e outros pequenos produtos ligados ao mercado da saudade comprados essencialmente por pessoas na diáspora. Trata-se de um de mercado bastante reduzido, mas para uma pequena empresa acaba por ter a sua importância.
É um programa com muito potencial para o aumento das exportações de Cabo Verde para esse mercado maior do mundo e que se bem explorado permitirá que determinados nichos da nossa indústria possam desenvolver. O importante é evitar as falhas que foram cometidas no passado relativamente a esse programa e ter uma melhor interface com o setor privado, uma melhor apreciação dos meandros desse programa, uma maior divulgação e ter uma estratégia de desenvolvimento industrial que permite precisamente extrair as vantagens desse programa. Sem indústria não há produto para exportar para os EUA.
Para finalizar, qual é a mensagem que o Senhor quer transmitir aos potenciais investidores e leitores em relação ás vantagens que Cabo Verde oferece ás empresas e investidores?
Cabo Verde precisa de investimento estrangeiro e o setor privado cabo-verdiano está totalmente aberto para estabelecer parcerias virtuosas com parceiros estrangeiros, porque a capacidade endógena de investimento é bastante reduzida e é absolutamente indispensável para nós esse investimento. É um país que está a querer percorrer um caminho positivo em matéria de condições para o investimento seguro. Já é seguro para quem vem aqui investir, com uma boa estruturação do seu negócio, o investimento está devidamente protegido aqui em Cabo Verde pois o nosso sistema legal, jurídico é estável. À mercê da parceria estratégica especial com a EU há todo um movimento de convergência normativa. No essencial as normas que se aplicam na EU são aquelas que estarão em vigor em Cabo Verde. Nós estamos a procurar o caminho das melhores práticas a nível internacional em matéria de acolhimento do investimento estrangeiro. O que neste momento precisamos fazer e este governo pretende fazer é criar condições ainda mais favoráveis do ponto de vista da atração do investidor. Em termos de benefícios fiscais, exportação de capitais, propriedades dos bens, da estabilidade governativa institucional, qualidade de transporte, fiabilidade e qualidade das comunicações.
An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.