Cabo Verde: Interview with Dr. João Serra

Dr. João Serra

Governador do Banco de Cabo Verde (Banco de Cabo Verde)

2016-09-05
Dr. João Serra

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes

Uma das primeiras coisas que o investidor procura quando tem que decidir se investe ou não num pais é a estabilidade política. Cabo Verde tem alternância dos partidos no governo, o que mostra força institucional, e um dos resultados melhores da África em liberdade de imprensa, em luta contra a corrupção e em qualidade democrática segundo a Freedom House, Tansparency Internacional e The Economist Integillence Unit respetivamente. Qual é o segredo para manter esse nível de qualidade e estabilidade democrática?

Efetivamente, Cabo Verde é reconhecido por ter essas características. É um país politicamente estável. Nunca houve guerra civil, há relativamente poucos problemas sociais ou revoltas porque desde o início os governantes deste país, ainda que em contextos históricos diferenciados, optaram pela boa gestão dos recursos disponíveis e que são parcos.

Particularmente, em termos da cooperação, mobilização e gestão da ajuda pública ao desenvolvimento, foi-se rigoroso e sempre se deu muita importância, aqui em Cabo Verde, a um desenvolvimento económico e social relativamente equilibrado. Não se sente muita diferenciação social, contrariamente a muitos países em vias de desenvolvimento, inclusive muitos deles com muito mais recursos naturais que nós.

Depois da independência, como sabe, tivemos um sistema de partido único, mas mesmo assim houve muito equilíbrio e muito bom senso por parte dos líderes de então até à mudança de paradigma político em 1991. Nesse ano houve então eleições livres pela primeira vez, a introdução do regime democrático e do Estado de Direito.

Por outro lado, Cabo Verde diferencia-se de muitos dos seus vizinhos continentais porque nós somos uma nação, com um único povo, uma única língua e uma cultura relativamente homogénea. Não há etnias, não existem conflitos religiosos e julgo que isso também contribui muito para que tenhamos esse clima de paz e de concórdia, fazendo com que o país obtivesse níveis comparativamente elevados de desenvolvimento social. Cabo Verde deixou de ser classificado como País Menos Avançado. Agora é um país de Rendimento Médio e em quase todos os aspetos do desenvolvimento humano destaca-se claramente ao nível do continente Africano.

Nós somos um país pequeno, temos cerca de 4.033 km² de dimensão, uma população um pouco mais de 500.000 habitantes residentes, mas também temos muitos emigrantes na diáspora. Estima-se que o número de cabo-verdianos que vivem fora é o mesmo ou superior ao que vivem no país. Agora somos um país de economia de mercado que a Constituição da República promove e protege, amigo do investimento externo que goza das mesmas ferramentas de defesa e proteção jurídica que os investimentos dos nacionais.
 
Julgo que por tudo isso Cabo Verde seja, em muitos aspetos, um país de referência no continente africano graças, em grande parte, à boa governação dos recursos disponíveis que tem sido feita desde o início da Independência nacional.


Dentro da economia cabo-verdiana, há dois sectores que totalizam mais do 30% do PIB: o turismo com mais de 24% a as remessas da diáspora com um 10%. Quão importantes são esses sectores para o país e quais são as oportunidades que brindam ao desenvolvimento?

O sector mais promissor, em termos de potencial, é o sector do turismo. Primeiro porque nós temos a paz social, temos a estabilidade que hoje em dia é um grande fator para o turismo. Segundo temos muitas praias e um clima muito ameno, Cabo Verde é um dos poucos países no mundo onde se pode fazer férias e tomar banho no mar durante todo o ano.

O turismo em Cabo Verde surgiu depois da abertura política e económica, mas começou a consolidar-se particularmente a partir da primeira década do ano de 2000 com a construção de grandes resorts do tipo all included, porque também o país não tinha condições de oferecer a quantidade de produtos que os turistas no resort com centenas de quartos demandam. Era normal que tivéssemos esse tipo de turismo, de massa, sol e praia. Mas esse modelo também tem as suas limitações. Há uma discussão teórica se com esse tipo de turismo o país beneficia adequadamente ou não, porque o que esses grandes hotéis consomem é quase tudo importado, havendo pouca interação com a economia local e com a economia dos demais sectores. No entanto, não deixa de ser interessante que esses empreendimentos, que são enormes, existentes basicamente nas ilhas do Sal e da Boavista, empregam muitos cabo-verdianos que pagam impostos, que contribuem para a segurança social, para além de receberem muitos turistas que pagam a taxa turística, os vistos de entrada, etc.

Já com algumas infraestruturas criadas – houve, nos últimos anos, um forte investimento público na construção de aeroportos, portos e estradas asfaltadas e muitas barragens – já temos as bases mínimas para um outro tipo de turismo, mais diversificado e cultural, adaptado a cada ilha. Por exemplo, nas ilhas de Sal e Boa Vista é sol e praia, sendo reduzido outro tipo de oferta. Mas nas ilhas como aqui em Santiago, Fogo, Santo Antão pode se desenvolver um outro tipo de turismo, de montanha e de natureza.

O turismo atualmente contribui com cerca de 24-25% para a riqueza nacional, para o nosso PIB, mas poderá contribuir ainda mais, desde que haja uma boa política e também desde qua a conjuntura política internacional assim o permita.
O continente que emite mais turistas para Cabo Verde é o Europeu que está com algumas dificuldades económicas e financeiras. Mas Cabo Verde também acabou, de algum modo, por compensar essa perda que houve por causa dos problemas económicos e financeiros dos países Europeus, com a instabilidade social e política nos países concorrentes como a Tunísia e o Egito.

A outra questão tem a ver com as remessas dos emigrantes. Cabo Verde tem sido tradicionalmente um país de emigração ainda que nos últimos tempos tem-se tornado num país de acolhimento de emigrantes também, vindos da costa ocidental africana como Senegal, Nigéria, Gambia ou Guiné-Bissau. Mas fomos sempre um país de emigração. Reza a história que a emigração, em Cabo Verde, começou com a pesca de baleia no arquipélago pelos americanos de New Bedfort (Massachusetts). É lá que temos uma comunidade muito forte, à semelhança dos Açores (Portugal). Temos também muitos emigrantes em Portugal já que fomos colónia deste país durante cerca de 500 anos, mas também temos emigrantes no Senegal, Angola, Guiné-Bissau e um pouco por todo o mundo. Isto deve-se mais às circunstâncias do período colonial: Cabo Verde é um país que não tem grandes recursos naturais, não chovia e havia sempre problemas com a fome e muita gente não tinha outra saída do que a emigração.

Os emigrantes deixaram cá parte da sua família e a emigração vem constituindo ao longo dos tempos uma importante fonte de rendimento para as famílias e também de apoio às reservas em divisas que financiam, por exemplo, a nossa importação de bens e serviços. Para o sistema financeiro é importante porque uma boa parte dos depósitos do sistema bancário é constituída por poupanças dos emigrantes, sendo uma fonte importante de financiamento da economia do nosso país.


Porém, como Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva mencionou, junto com a maioria de Ministros e atores económicos entrevistados, a economia precisa de se diversificar para se expandir. Quais são os sectores que tem mais possibilidades de desenvolvimento? Quais são as oportunidades para o investidor estrangeiro?

É uma discussão sempre presente aqui em Cabo Verde. Houve já estratégias diferenciadas como por exemplo a promoção da indústria ligeira, mas Cabo Verde tem dois problemas de fundo. Primeiro, o problema da economia de escala, que se encontra agravado pelo facto de sermos um conjunto de ilhas, pelo que não há uma unidade de mercado real, encarecendo muito o transporte de uma ilha produtora para outra.

Um outro problema de fundo são os custos de fator, comparativamente mais elevados do que nos chamados peers countries, como por exemplo, as ilhas Maurícias. Não temos muita água, pelo que temos que usar água do mar e a dessalinização é mais cara. Também não temos energia própria e dependemos de combustíveis fósseis que são importados. Tudo isso encarece Cabo Verde como destino de investimento.


Porém, poderá haver um outro nicho de mercado onde poderemos ter mais vantagens competitivas. Estou a referir-me ao aproveitamento da nossa posição geoestratégica. Como sabe, Cabo Verde fica, praticamente, no meio do Atlântico, entre a África, Europa e o continente americano. Portanto, podíamos ser uma plataforma, um hub importante para os demais países vizinhos, e, aproveitando as vantagens existentes, também produzir aqui para depois vender o produto nestes países.

Em termos de transportes temos um potencial enorme. Cabo Verde teve uma importância geográfica acrescida nos anos 80, com a paragem dos aviões que voavam entre a África do Sul e a América: por causa da distância tinham de fazer escala aqui obrigatoriamente. Essa função de entreposto, de escala técnica, já tinha sido desempenhada durante a Segunda Guerra Mundial, sendo o aeroporto do Sal, o maior de Cabo Verde, construído na altura com o apoio do governo fascista italiano de Mussolini. Mas também os ingleses no século XIX aproveitaram a ilha de São Vicente como porto de paragem para recarregamento dos navios-carvoeiros que na altura viajavam a outros países do mundo. Portanto, é uma função histórica que irá ser, naturalmente, contextualizada e promovida.

Por fim, temos uma mão-de-obra que apesar de reduzida é facilmente qualificável.

Temos que ter muita visão e ver exatamente em que sectores podemos focar a nossa atenção para que possamos induzir um crescimento mais robusto da nossa economia.


Dentro dos Bancos Centrais, existem diferentes modelos com diferentes missões e graus de independência frente ao poder executivo. Quais são as missões principais do Banco de Cabo Verde e o modelo de banco no qual se inspira?

Nós somos uma instituição relativamente independente, a política monetária é feita de forma totalmente autónoma. Reconhece-se que a autonomia do banco central é fundamental. Não há interferências governamentais, o que julgo importante tendo em conta exemplos negativos que ainda estão a acontecer em alguns países. Explorou-se muito o modelo do então Bundesbank, antes da criação do Banco Central Europeu.

A nossa missão principal do Banco Central é praticamente a mesma que aquela que o Banco Central Europeu tem. Nós temos que garantir a estabilidade dos preços e da nossa moeda, designadamente através da garantia do peg fixo do escudo cabo-verdiano face ao euro. Atualmente, essa missão está um pouco facilitada porque como dependemos em quase 90% da Europa, principalmente da Zona Euro, temos quase a mesma situação em termos de flutuação do índice de preços. Em 2014, por exemplo, a Zona Euro teve deflação e nós também tivemos. Em 2015, a Zona Euro teve +0,2 e nós tivemos +0,1 de inflação. Nesse aspeto, o Banco de Cabo Verde está a cumprir com a sua função de garantir a estabilidade dos preços.

Temos uma outra importante missão que é garantir a estabilidade do sistema financeiro. O Banco de Cabo Verde é regulador e supervisor não só da banca mas também dos seguros e do mercado de valores mobiliários. A escala da economia do país não permitiria que tivéssemos várias estruturas com elevados custos de funcionamento para a regulação e supervisão do sistema financeiro.

Atualmente, como sabe, a banca internacional está a atravessar uma situação algo complicada, nomeadamente a banca portuguesa, muito presente na banca cabo-verdiana. Temos estado a apostar fortemente na supervisão do sistema financeiro com um novo paradigma de supervisão baseada no risco. Tendo em conta as ocorrências no sistema bancário mundial, temos estado a dar uma atenção muito especial à estabilidade da banca. Fazemos inspeções in loco, impomos as regras prudenciais que devem ser cumpridas, etc. Temos essa importante missão de garantir a estabilidade do sistema financeiro no seu todo.


A função principal do Banco de Cabo Verde é, então, velar pela estabilidade de preços. A taxa de inflação atualmente é negativa, as taxas de juros estão baixas, mais o crescimento económico continua a ser baixo, de cerca do 1,5% em 2015, e a taxa de desemprego alta, de cerca de 12,4%. Há condições para desenvolver uma política monetária expansiva? Quais vão ser as ideais chave que vão guiar a política monetária do Banco?

Penso que já não há espaço, pelo menos do ponto de vista teórico, para uma estratégia monetária ainda mais expansionista, porque estamos num contexto de excesso de liquidez. Praticamente, todos os bancos têm excesso de liquidez e por isso subscrevem títulos de dívida pública a taxas de juro relativamente baixas. Historicamente estamos a ter as mais baixas taxas de juro de sempre. E também têm depósitos avultados no Banco Central. Não conseguem transferir os recursos que conseguem captar para a economia e para as famílias. Não faz sentido, nesse contexto de excesso estrutural de liquidez, uma política monetária expansionista. No entanto, o BCV está a acompanhar a situação financeira e monetária do país e agirá em conformidade com a sua evolução.

No concernente ao crescimento económico, Cabo Verde teve uma taxa de crescimento médio do PIB, na década de 1980, de 5,3%; na década de 90 foi de 6,3% e na primeira década de 2000 de 5,0%. Nos últimos cinco anos tem rondado entre 1-2%, também em parte devido à crise financeira e económica internacional. Sendo um país muito dependente do que se passa na Zona Euro, as perturbações ao funcionamento da economia europeia impactam o crescimento do PIB nacional, particularmente no sector imobiliário-turístico. Mas o nosso PIB potencial é muito mais do que isso. O atual governo estabeleceu a meta de fazer a economia crescer a uma taxa de em 7% ao ano, o que poderá ser um pouco difícil atendendo à conjuntura interna e internacional relativamente desfavorável.

O que é que tem constrangido e limitado o crédito à economia? O nível de créditos mal parados, que é muito elevado em Cabo Verde, de cerca de 17%, e os bancos têm alguma aversão em dar mais créditos. Por outro lado, faltam também mecanismos de mitigação de risco em Cabo Verde. Na Europa, na América, temos fundos de garantia e de contragarantia. Aqui, no país, praticamente não temos isso que poderia mitigar a aversão da banca ao risco e estimular a concessão de mais créditos. Aí pode-se fazer muita coisa, porque há recursos disponíveis que não estão a ser alocados adequadamente na economia. Mas isso é uma discussão política, porque a criação desses instrumentos não é da responsabilidade do BCV. Porém, o Banco também é conselheiro financeiro do governo e temos tido um bom diálogo e feito algumas propostas e sugestões.


Outra das funções primordiais do Banco de Cabo Verde é assegurar e regular a circulação e o valor da moeda nacional. Atualmente o Escudo Cabo-verdiano está ligado ao Euro com uma paridade fixa mediante um acordo que foi assinado com Portugal previamente para vinculá-lo ao escudo. Como é que funciona este sistema? Quais são os níveis de reservas de Cabo Verde para apoiar esta política e quais as vantagens que este sistema traz para o país?

Cabo Verde tem a sua moeda ancorada à moeda dos países da Zona Euro, o euro. Essa ancoragem existe porque em 1998 houve um acordo de cooperação cambial entre os governos de Portugal e de Cabo Verde, de então. Como Portugal passou a fazer parte da Zona Euro, por arrastamento, passamos a ter essa paridade fixa unilateral, só da parte de Cabo Verde.

Temos de fazer um esforço enorme para manter a paridade fixa. Temos que ter a convertibilidade a todo momento e, para tal, é fundamental que tenhamos reservas externas suficientes. O FMI estima que 3 a 4 meses poderão ser suficientes, mas nós, a nível do Banco de Cabo Verde, estamos a fazer o melhor que podemos para manter essa paridade fixa e, de momento, temos um nível bastante confortável de reservas, suficientes para financiarem cerca de 6,3 meses de importação de bens e serviços.

Julgo que o país andou bem na altura ao negociar a paridade fixa da moeda nacional face ao euro, pois esse regime cambial traz vantagens. Desde logo, dá mais confiança e mais garantias aos investidores porque não há grande risco de inflação, de variação cambial. Sendo um país que importa quase tudo, julgo que também nesse aspeto as vantagens são maiores e que o país tem beneficiado com isso.


A CEDEAO, a qual Cabo Verde pertence, enviou um relatório no mês passado sobre a criação de uma moeda única para a região com horizonte 2020. Cabo Verde é o único pais da CEDEAO que não esta integrado nem na UEMOA nem na WAMZ. Qual é a posição de Cabo Verde neste sentido?

Isso é mais uma decisão política. Pessoalmente, penso que estamos bem com a paridade fixa da nossa moeda face à moeda europeia. Não faria sentido deixar o peg fixo do escudo ao euro porque nós temos poucas relações comerciais com África. As nossas exportações estão viradas em quase 90% para a Europa. As nossas importações também. Grande parte das remessas dos nossos emigrantes vem dos países europeus. Os investimentos externos também vêm de lá.

Estamos um pouco afastados comercialmente da África, pelo que não teríamos muito a ganhar com uma eventual integração monetária.


Um dos desafios mais grandes que tem o país é no plano orçamental, com a divida pública ultrapassando o 130% do PIB e um deficit público de 4,1% do PIB o que faz que o pais seja visto como uma país de grande risco fiscal. Um dos compromissos do novo governo é a melhoria radical do risco soberano e do risco do país para a nota entre BBB e A. Qual é a receita que o governo deveria seguir para consegui-lo?

Uma das componentes para se avaliar os riscos do país tem a ver com o défice orçamental e a dívida pública. Tanto a dívida pública como o défice orçamental acabam por afetar o sistema financeiro e também por pressionar as reservas externas, impactando assim nas políticas monetárias.

Terá que haver o aprimoramento contínuo da articulação entre a política monetária e a política orçamental e, por causa disso, há memorandos de entendimento assinados entre o Banco de Cabo Verde e o Ministério das Finanças.

Julgo que o Governo está ciente da necessidade de contenção da dívida pública, através do controlo do défice das contas nacionais. Há necessidade de se aprofundar e/ou realizar algumas reformas estruturais por forma a que possamos ter um maior crescimento económico, uma eficiente arrecadação de receitas e uma melhor racionalização da despesa pública.


Em Julho passado teve lugar uma reunião do Banco de Cabo Verde com as instituições de crédito para avaliar a situação do sistema. Qual é a saúde do sector financeiro cabo-verdiano? Quais são as lições aprendidas de crises financeiras como as europeias e como vão fazer para prever e prepararem-se para futuras crises?

Em muitos países, os bancos centrais discutem as questões bancárias com as respetivas associações de bancos. Aqui como não temos uma associação de bancos cabo-verdianos, temos que fazer reuniões com todos os bancos.

Cabo Verde faz parte do mundo globalizado e os problemas lá fora acabam por ter impacto aqui dentro. Esconder isso não seria a melhor estratégia dado que a nossa banca depende muito da banca portuguesa, que está a atravessar por algumas dificuldades e nós, enquanto supervisores do sistema financeiro, temos que estar cientes disso.

A banca está na ordem do dia. Como proteger cada vez melhor a banca faz parte da agenda e está a ser questionada e discutida, o que não significa que estejamos a ter problemas de imediato, mas poderão vir se não tomarmos as medidas necessárias que se impõem. Daí hoje em dia falar-se muito dos buffers adicionais.

Nós, fazendo parte do nosso estilo de gestão e da nossa forma de ser, queremos comunicar com o sector, apresentar-lhe as nossas medidas de proteção da estabilidade bancária e ouvir também o que que a banca tem a dizer a respeito. Mas também para discutirmos um outro elemento que não existe em Cabo Verde que é o mecanismo de proteção dos depósitos. Discutimos um projeto de diploma que já foi entregue ao Sr. Ministro das Finanças sobre o Fundo de Garantia de Depósitos, já que não temos um instrumento explícito de garantia de depósitos bancários. Temos as chamadas disponibilidades mínimas de caixa (15% dos depósitos da banca no Banco de Cabo Verde) que são mais um instrumento de política monetária mas que, em último recurso, podem ser uma forma de proteção dos depósitos.


O FMI terminou em Junho passado uma visita para estabelecer contato com o novo governo e analisar a situação económica, fiscal e orçamental do país. Como é a relação de Cabo Verde e do Banco com o FMI e quais foram as conclusões da visita?

O Banco de Cabo Verde sempre teve uma boa relação com o FMI. Todas as vezes que vem uma missão do Fundo trabalha com o Banco de Cabo Verde que disponibiliza e discute com os seus integrantes todos os dados disponíveis. O BCV, quando necessário, também solicita assistência técnica ao Fundo. Em suma, o FMI tem sido um parceiro importante do Banco de Cabo Verde.

É do nosso conhecimento que existem algumas situações que preocupam atualmente ao FMI, nomeadamente o nível da divida pública, mas isso não é da responsabilidade do Banco de Cabo Verde. Quem endivida é o governo, ainda que o BCV sirva de caixa do Tesouro. Enquanto banco central, o BCV não deve se pronunciar sobre áreas de política económica que não lhe dizem respeito, a não ser quando afetem a estabilidade nominal e financeira. Nesse quadro, o BCV tem alertado sobre o elevado endividamento público, porque poderá constituir uma ameaça à estabilidade financeira do país.


Nas últimas semanas tem havido uma certa polémica com o futuro da Caixa Geral de Depósitos portuguesa e as especulações com os seus planos de saída de Cabo Verde, já que está presente como acionista em dois bancos vitais para o país como são o Banco Comercial do Atlântico, o maior banco comercial do país (52,5% do capital) e o Banco Interatlântico. Quão certas são essas especulações e quais seriam os planos de contingência para superar esse desafio que a saída da CGD traria para o país?

Primeiro temos que realçar que são especulações, não há nada seguro e nós, enquanto Banco Central, não fomos informados. Segundo, como a Caixa Geral de Depósitos é um banco público e há uma boa relação entre os governos português e cabo-verdiano, eventualmente poderá não ser esta a vontade do acionista único da CGD, que é o Estado português, em fazer com que esse banco saia de Cabo Verde.

Espero que não saia, porque iria criar perturbações no mercado financeiro, uma vez que cerca de 50% do mercado é dominado por esses dois bancos, BCA e o Banco Interatlântico. Mas garanto que o Banco Central, como regulador e supervisor do mercado financeiro, está a acompanhar a situação. Naturalmente que devemos estar preparados no caso da saída vir a concretizar-se, saber o que fazer, mesmo se nada nos indica que tal venha acontecer.


Como o Senhor Governador sabe, a audiência da Harvard Business Review é composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas práticas de gestão. O Senhor tem ampla experiência no sector publico como Ministro de Finanças, na frente de vários empresas públicas e agora como Governador do Banco de Cabo Verde. Segundo o Sr Governador, quais são as características que fazem um bom líder e gestor?

Termos os pés no chão, sabermos onde estamos, o que queremos e qual é o nosso ponto de partida. Temos que ter uma visão muito clara porque copiar tudo não traz vantagens, não nos leva a lugar nenhum. Muita seriedade, muito sentido de equilíbrio e responsabilidade, honestidade, transparência e humildade.

Também temos que assumir que muitas das nossas medidas poderão não ser populares, mas sem isso dificilmente far-se-á um bom trabalho a nível de gestão. Quando eu estava no INPS [Instituto Nacional de Previdência Social] promovi a reforma paramétrica para cálculos das prestações sociais. Na altura havia muita resistência e contestação, mas agora estão a me dar razão, porque senão o sistema não seria sustentável.


Para finalizar, qual é a mensagem que o Sr Governador quer transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação a porque eles deverão estar confiantes nos seus investimentos em Cabo Verde?

Cabo Verde é uma democracia que já é relativamente madura, em termos de ser um Estado de Direito democrático com uma classe política responsável, com paz social, estabilidade macroeconómica e as garantias todas que um Estado de Direito pode oferecer. Mas também tem as dificuldades próprias de um país com o nível de desenvolvimento de Cabo Verde.

Julgo que vale a pena investir em Cabo Verde, mas naturalmente como todo e qualquer investimento, deverá fazer-se um estudo, recolher informações para ver se é rentável ou não.

No sector do turismo, dos transportes ou das telecomunicações Cabo Verde poderá atrair muitos mais investimentos e, havendo interessados, nada melhor do que visitar o país.

Cabo Verde é um país transparente, com instituições independentes e estatísticas autónomas, o que nos dá credibilidade e é uma garantia para o bom sucesso dos investimentos.