Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Eunice Silva

Sua Excelência Eunice Silva

Ministra de Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação, Cabo Verde (Ministério de Infraestruturas, Ordenamento do Território e Habitação)

2016-10-25
Sua Excelência Eunice Silva

O seu Ministério tem responsabilidades adquiridas de outras estruturas ministeriais. Como é que o seu Ministério está a organizar e a digerir essas diversas funções numa única instituição? Qual é a organização do novo ministério e quais são as instituições que dependem do seu Ministério?

 


O ordenamento do território e a habitação já tinham, no passado, estado neste ministério. Na gestão do governo anterior as infraestruturas estiveram associadas aos transportes, formando o Ministério das Infraestruturas e Economia Marítima, e a parte do ordenamento do território estava com o ambiente.

 

No que concerne aos transportes, a parte da gestão de infraestruturas pertence, agora, ao Ministério da Economia e Emprego, e a parte física de execução das infraestruturas fica aqui no departamento técnico que lida com as obras. Nós fazemos a obra e depois entregamo-la para ser explorada e gerida pelo próprio sector. A parte que veio do ordenamento do território associou-se com as infraestruturas.

 

A arrumação que estou a dar é aprovada pelo Conselho de Ministros, oficializada no Boletim Oficial da República. Ela revê alguns departamentos, nomeadamente a criação da nova Direção Geral do Ordenamento do Território e Habitação, mantendo as outras três direções gerais que vêm do anterior Ministério das Infraestruturas e da Economia Marítima: a Inspeção Geral, a Direção Geral de Infraestruturas e a Direção Geral do Planeamento, Orçamento e Gestão, universal a todos os ministérios. Dentro dessa arrumação vieram também juntar-se algumas empresas e institutos tutelados ou dirigidos, superiormente, pelo ministério: duas empresas públicas (o Laboratório de Engenharia Civil e a IFH, Imobiliária, Fundiária e Habitat) e dois institutos públicos (o INGT, Instituto Nacional de Gestão do Território e o IE, Instituto de Estradas).

 

Parte das infraestruturas económicas são exploradas e geridas por outros ministérios, mas as estradas pertencem a este Ministério. Cada ministério identifica a sua necessidade, busca o financiamento e aciona o Ministério das Infraestruturas para conceber e executar a obra. Por exemplo, a responsabilidade pela construção das barragens, que vinham sendo executadas pelo antigo Ministério de Desenvolvimento Rural, deverá passar para este Ministério. O mesmo acontece com a construção de qualquer outra infraestrutura pública: a partir do momento em que o governo decida que vai avançar, nós entramos para conceber e executar. A decisão política é tomada na base dos estudos para garantir que o projeto seja viável do ponto de vista ambiental, económico e financeiro e nós entramos na execução, na licitação da obra em si. Lançamos concurso para selecionar empresas que vão conceber e executar a obra. Nós gerimos o processo de contratação pública, de execução física, da fiscalização, até a obra ficar pronta.

 

É, ainda, responsabilidade deste novo ministério planear e organizar o uso espacial do território, executando obras públicas para o seu desenvolvimento sustentável.

 


Dentro das suas responsabilidades está a habitação. Segundo o referido pelo PM no debate de Estado da Nação, e segundo o referido pela Senhora Ministra, um dos maiores e mais urgentes desafios a resolver no país é a situação do sector imobiliário e, nomeadamente, da IFH, que o seu governo herdou devido à gestão do programa “Casa para Todos”. Quais as medidas que o seu Ministério vai implementar para superar este desafio?

 


É do domínio público que a situação da empresa pública IFH é difícil e nós estamos a tentar encontrar a solução para a dívida que se contraiu para construir habitações sociais do programa “Casa para Todos”. Esta dívida foi transferida do Estado para a IFH que, neste momento, é proprietária dessas habitações e também da dívida.

 

Infelizmente as coisas não correram no timing pré-definido e não se conseguiu concluir a construção das habitações. Uma parte já está concluída, e foi já afetada pelo governo anterior, e há uma outra parte, mais de metade, por terminar. A IFH deve encontrar uma saída para resolver o problema dessas moradias que ainda estão por concluir. O governo entendeu fazer uma auditoria que está em curso para conhecer a situação e para que a nova gestão também saiba claramente o ponto de partida. O Estado pode ser avalista, mas deve deixar a IFH como empresa encontrar o seu caminho.

 

Há um outro aspeto que é o de repensar o papel da IFH no mercado: uma empresa pública a trabalhar no mercado em competição direta com o sector privado não é o propósito do governo. O Estado deve se preocupar com a questão de habitação social, é uma exigência constitucional, e garantir aos cidadãos que não têm condições uma casa digna para morar. A IFH devia ocupar-se dessa faixa da população mas, infelizmente, entrou no mercado a competir com o sector privado da construção imobiliária: 60% das construções concluídas são para a classe baixa, em situação de aluguer a renda baixa; Dos 40% restantes há habitações ainda por vender mas que não tem havido procura.

 


Há varias empresas que sofreram pelas faltas de pagamento da IFH e os problemas de incumprimento do timing na construção habitacional. Poderia nos explicar qual é a situação do sector imobiliário atualmente?

 


Encontramo-nos neste momento com dívidas para com algumas empresas do sector da construção mas vamos prosseguir com as construções e retomar as paralisadas há já algum tempo. O que acontece é que houve um período de maio de 2015 a fevereiro de 2016 em que as obras estiveram paradas e isso deu direito a indemnizações. As empresas, por terem ficado paradas com os seus equipamentos na obra, recorreram às indemnizações a que tinham direito contratualmente. Neste momento estamos a negociar essas indemnizações. Por outro lado, a paragem das obras e falta de pagamento por parte da IFH deram também ao empreiteiro direito a juros de mora.

 

As empresas sentiram, na pele, esse peso dos atrasos no pagamento das faturas, da indemnização pela mobilização dos equipamentos e dos juros de mora. Terão que ser encontradas saídas para o problema e nós estamos aqui a trabalhar com eles para encontrar a solução. Estamos na mesa de negociações neste momento.

 


O MpD (Movimento para a Democracia) foi o artífice de histórias de sucesso nas privatizações do sector empresarial quando esteve no governo na década dos 90. Consideram a privatização como uma opção para a IFH ou estão a aguardar os resultados da auditoria?

 


A auditoria é que vai indicar o caminho a tomar. Uma das condições das cláusulas do contrato que a IFH assinou com a empresa de auditora inclui a avaliação das possíveis saídas e planos de recuperação para a empresa.

 


Na sua responsabilidade está também o ordenamento do território. Esta é uma área muito sensível, num país arquipelágico como Cabo Verde. Como o vai trabalhar o governo para que os investimentos sejam feitos de forma a assegurar as necessidades dos cabo-verdianos em todas as ilhas?

 

 

É visível e um dado certo que o último governo fez uma grande aposta nas infraestruturas. Esse esforço foi feito na reabilitação das infraestruturas mais importantes: portos, aeroportos e estradas nacionais. Digamos que há um certo conforto nacional em matéria de infraestruturas económicas mas temos problemas ao nível das infraestruturas que estão mais perto da população. As estradas principais foram reabilitadas, mas as estradas de penetração que vão dar às populações encravadas não o foram e, por isso, vão ser uma prioridade para nós.

 


No mercado cabo-verdiano, quem faz essas infraestruturas são empresas nacionais, estrangeiras ou parcerias entre ambas?

 


Nós não temos o know-how em determinadas áreas, como por exemplo na construção de portos. Normalmente, as grandes obras são feitas com financiamento externo e o financiador impõe regras que não temos como contornar, como por exemplo o concurso internacional ou o concurso que envolva empresas daquele país financiador. Nesses casos, costumamos pedir para ter as nossas empresas associadas. Estamos a tentar agora garantir que haja sempre consórcio para transferir o know-how e também garantir que as empresas nacionais ganhem e criem riqueza.

 


Quais são os maiores deficits em infraestruturas? Quais são as maiores oportunidades para as empresas estrangeiras no sector das infraestruturas onde se precisa de know-how e possam também contar com as empresas locais para as obras?

 


Vamos continuar a fazer infraestruturas no sector portuário e no sector aeroportuário. No sector das pescas há oportunidades na área dos portos de pesca e, neste momento, nem todas as ilhas estão suficientemente equipadas em termos de infraestruturas operacionais. Temos o Maio e Santo Antão cujos portos clamam por intervenções e melhorias. Portos funcionais com roll-on-roll-off só existem em São Vicente, na Praia, no Fogo na Brava e em São Nicolau. Temos um em obras neste momento que é o porto da Palmeira na ilha do Sal.

 

Oportunidades de continuar a fazer infraestruturas existem, sem falar das zonas turística onde toda a parte envolvente terá de ser trabalhada, com uma série de infraestruturas recreativas a serem associadas, para garantir que o turismo não seja exclusivamente guiado só para o edifício turístico. Tudo isso requer obra.

 

Prevemos, igualmente, intervenções alargadas no domínio da requalificação urbana para melhorar o habitat das pessoas.

 


Dentro das suas responsabilidades, como remarcou, estão também as rodovias do país. Quais são os planos para que o Instituto de Estradas se possa transformar em empresa pública “Infraestruturas de Cabo Verde”?

 


O Instituto de Estradas vive dos fundos que resultam da taxa que cada cidadão, que tem um carro, paga por litro de combustível. Essa taxa é destinada à manutenção. Com o evoluir das coisas, há determinas estradas que são vias rápidas que têm todas as condições de se autofinanciarem, numa perspetiva de gestão da estrada, enquanto um património que deve pagar a si mesmo. Penso que isso irá acontecer no futuro. Dependendo da evolução do tráfico, pode-se estudar a portagem associada à dinâmica de desenvolvimento do próprio país. No futuro, isso iria impor que houvesse uma entidade empresarial que tomasse conta da gestão, que nesse caso poderá ser o Instituto de Estradas.

 


A Senhora Ministra tem uma vasta experiência anterior tanto no sector público como sector privado. Como a Senhora sabe, a nossa audiência é composta por CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas práticas de gestão e casos de estudo: segundo a Senhora Ministra, quais são as características que deve ter um bom líder e um bom gestor?

 

 

Eu acho que o importante aqui é a capacidade de liderança, exercendo a função com humildade. Tenho a vantagem de ser desta casa, de conhecer as pessoas e de ter formação na área, estou preparada para gerir o ministério, estabelecendo boa relação e empatia com as pessoas.

 


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.