Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Fernando Elísio Freire

Sua Excelência Fernando Elísio Freire

Ministro dos Assuntos Parlamentares e da Presidência do Conselho de Ministros e Ministro do Desporto, Cabo Verde (Ministério dos Assuntos Parlamentares e da Presidência do Conselho de Ministros)

2016-10-05
Sua Excelência Fernando Elísio Freire

Segundo o Senhor Ministro, quais são as vantagens que o país tem comparado com outras economias regionais?


A nossa principal vantagem para atrair investidores estrangeiros é a confiança e a previsibilidade. Temos estabilidade política e social e somos um país previsível como nação e como Estado de Direito democrático.

Outra grande vantagem é sermos um país com grandes oportunidades. Há muita coisa por fazer e explorar em Cabo Verde e temos uma localização estratégica, a pouco mais de três horas do continente americano, africano e europeu. Isso dá-nos uma vantagem enorme em termos de definições das grandes políticas para atração de investimento externo nas várias áreas como o turismo, serviços de tecnologia de informação, a economia do mar e os transportes. Em resumo: estamos numa posição geoestratégica muito privilegiada, somos um país em que há muito por fazer com a grande vantagem de que damos confiança e temos previsibilidade.


O Senhor Correia e Silva assumiu o cargo de Primeiro Ministro em Abril 2016, depois de 15 anos do MpD [Movimento para a Democracia] na oposição. Quais são os maiores desafios que Cabo Verde e o seu Governo têm no futuro mais próximo?


Quando ganhámos as eleições, vimos que tínhamos várias tarefas a fazer, tanto a curto como a largo prazo.

A curto prazo a principal medida é o novo modelo de exercício do poder, com mais diálogo, e um poder político que resolve os problemas. Não queremos utilizar o poder para condicionar, controlar, impedir, premiar ou castigar, mas sim utilizá-lo ao serviço das pessoas, como facilitador, promotor e unificador.

Em segundo temos um desafio ainda a curto prazo que é o desemprego dos jovens. Temos mais de 70% da população com menos de 35 anos. Temos de ter soluções de emprego para estes jovens.

A terceira medida de curto prazo é aumentar o nível de segurança que, mesmo se é bom, é melhorável.
O nosso compromisso de longo prazo para a década é mudar a fisionomia do nosso país em termos da sua capacidade de inserção na economia mundial. Isso passa por termos uma educação de qualidade que nos permita competir para atrairmos os melhores. Isso passa por termos uma economia que seja focada no crescimento económico e na redução da pobreza. Isso passa por fazer, a longo prazo, uma profunda reforma institucional e do Estado, para que tenhamos um Estado parceiro, unido e que dê igualdade de oportunidade a todos os cidadãos.

A longo prazo quando nos perguntarem como é que deixaram o país queremos dizer que deixamos um país com cidadãos bem formados, cosmopolitas, livres e democráticos. Queremos dizer que deixámos uma economia robusta, diversificada, mas com um foco claro de crescimento económico e redução da pobreza. Esperemos que daqui a alguns anos possamos conseguir esse feito.


Dentro da lógica de confrontação parlamentar com os partidos da oposição, as relações entre os partidos políticos e as instituições é boa e trás ao país uma estabilidade política e institucional que é a inveja e exemplo para muitos países da região. Cabo Verde tem alternância dos partidos no governo o que mostra força institucional, e um dos melhores resultados da África em qualidade democrática segundo The Economist intelligence Unit. Qual é o segredo para manter esse nível de qualidade e estabilidade democrática?


Eu acho que o segredo de Cabo Verde é o fato de sermos genuinamente democráticos. A nossa formação enquanto país, enquanto mistura de povos e de cultura, deu-nos uma capacidade democrática extraordinária.
Mas o que nos dá essa capacidade de diálogo entre os vários partidos, o que nos dá essa força é o fato de, desde muito cedo, termos investidos muito na educação. A nossa ligação ao mundo permitiu-nos ver as melhores e piores práticas e as consequências de cada uma.
Temos uma cultura democrática razoável que nos permite ter uma boa base de relacionamento entre os partidos, somado à nossa formação enquanto sociedade na qual existe uma certa homogeneidade cultural, filosófica naquilo que são valores da vida, direitos humanos, igualdade de género, defesa da vida que nos põe nesta situação estável. Acredito que é uma base muito boa, aliada a legislação democrática que nós temos, uma cultura de confortação política muito boa no Parlamento, nas Câmaras Municipais e nas associações. No geral há uma cultura democrática muito boa e nós queremos preserva-la.


Na Assembleia Nacional há, atualmente, três partidos representados, só dois com grupo parlamentar: o MpD, com 40 deputados é o partido do Governo; o PAICV [Partido Africano para a Independência de Cabo Verde], na oposição com 29 deputados; e o UCID [União Cabo-verdiana Independente e Democrática], com 3 deputados e sem grupo parlamentar. Como definiria as relações do governo com cada um dos partidos?


A relação institucional entre os partidos e o governo é muito boa. Isto deve-se ao fato de termos um quadro de relacionamento claro, onde um acordo de 2/3 do Parlamento é necessário para aprovar as reformas constitucionais, da justiça, das leis de base e da fiscalidade. Tudo isso exige um grande esforço de concertação e esforço de aproximação. Nos 25 anos da nossa democracia, acredito que mais de 70% das leis do parlamento foram aprovadas por unanimidade. Naturalmente que há aspetos de confrontação política. Há aspetos de divergências políticas que é normal na democracia, mas é isso que faz crescer o país, é da confrontação que nasce o caminho que nos faz avançar.

Nós fizemos uma profunda reforma de justiça em 2010 quando ainda estávamos na oposição, o PAICV não tinha a maioria para fazer a reforma, mas conseguimos chegar a um acordo, fizemos uma nova Lei de Organização Judiciária, um novo Estatuto de Magistrados Judiciais para os magistrados do ministério público. Fizemos uma revisão constitucional, chegamos a um acordo de normas para a Comissão Nacional de Eleições, para o provisor da justiça, instalamos o Tribunal Constitucional, instalamos a Comissão Nacional de Proteção de Dados.

Foi uma relação construída de muito diálogo. Naturalmente que quando a questão é o emprego, a saúde, a educação, nós divergimos, temos ideias diferentes. O que dá aos partidos cabo-verdianos alguma margem, algum conforto democrático é o fato de nós estarmos todos de acordo com as regras do jogo. Depois temos o confronto democrático, naturalmente, cada um com as suas ideias e caminhos.


Dentro do Programa do Governo a revisão constitucional e a modernização eleitoral são duas das maiores medidas onde o diálogo entre os grupos e instituições será vital. Como é que pensa o Governo enfrentar esses desafios?


Através do diálogo pretendemos mostrar a necessidade de fazermos algumas reformas constitucionais, para facilitarmos e alargarmos a nossa constituição dentro das possibilidades.

Até agora nós não tivemos nunca problemas de governabilidade porque sempre houve maioria absoluta. Mas amanha pode não haver. Quando não houver uma maioria absoluta, como é que o país vai confrontar-se? A constituição dá garantias? Eventualmente, em algum dos aspetos, pode não dar. Temos que antecipar essa situação e ser proactivos. E isso passa por um acordo claro entre os partidos em que há necessidade de fazer esse ajuste na Constituição.

Também é necessário fazer esse ajuste em termos de organização económica da parte constitucional, na parte de permitir com maior celeridade na tomada de decisão, também é preciso rever a questão de segurança e a questão externa de Cabo Verde como um país global no mundo. Como devemos posicionar para estarmos alinhados com aquilo que são os valores da democracia, da liberdade, do respeito pelos Direitos Humanos. São os caminhos que devemos fazer dentro do quadro constitucional.

Há um conjunto de questões que temos de reanalisar se temos que alterar, para quando surgir um problema já estarmos preparados. Acredito que tanto a oposição como o governo, tem todo o interesse de fazer essas reformas.


Uma das principais lutas políticas é sobre a “partidarização da Administração”. É uma acusação que o MpD fazia contra o PAICV quando estava na oposição, que o PAICV faz agora quando o MpD está no Governo e que o UCID faz contra os dois. São acusações justificadas? Qual será a estratégia do Governo para despolitizar as Administrações públicas?


Nós consideramos que só a lei não chega. Neste momento para nós o que é mais importante é uma nova atitude de relacionamento com o poder. O que nós não podemos ter é uma pessoa que de manhã é presidente de uma grande empresa do Estado, depois à tarde está numa reunião partidária. Imagina que presta serviço de telecomunicações e energia, ou e de água e à tarde está num debate político feroz contra outro partido, outro governo, fazendo uma mistura de papel, utilizando o seu cargo para condicionar e controlar. Isso nós não vamos permitir e vamos criar uma lei de incompatibilidade. Quem estiver a exercer cargos públicos não pode ter cargos partidários. Depois vamos criar uma Lei de Antinepotismo, para evitar nomeações por relações de amizade, de cumplicidade e de familiares na Administração Pública.

Posso pertencer a um partido, posso pertencer a uma instituição, mas saber claramente que se eu fazer atividade partidária, tenho punição por isso. O que é mais importante de que criar essas leis todas é mudarmos a nossa atitude porque senão vai continuar tudo na mesma. Portanto, a luta aqui é de mudança de atitude e de mostrar que quando trabalhamos para o bem comum acaba-se por ganhar sempre. Mostrar ás pessoas que não se pode estar sempre a condicionar os outros por causa do partido. Isso é uma tarefa difícil para o governo. Há muita pressão, mas estamos determinados a fazer a despartidarização. Transformar o Estado num estado neutro.

A atitude é fundamental e compete aos líderes mostrar o caminho. Caminho da competência, do mérito de quem está mais bem preparado para exercer determinados cargos. Porque se fizermos a partidarização, se colocarmos em frente das instituições pessoas que não têm qualidades técnicas adequadas para estarem à frente das instituições, o resultado final será desastroso. Temos várias empresas em Cabo Verde que são vítimas disso porque em vez de terem definido politicas para as pessoas que precisam, definiram políticas para as fidelidades partidárias. Se despartidarizamos, a sociedade ganha como um todo, porque aquele que paga o imposto vê que o seu dinheiro está a ir para aqueles que de fato mais precisam. É este o quadro que temos criado, estamos a mudar a tipologia e a filosofia de atuação da Administração Pública, do Estado. O Estado foca-se na prestação de serviço público e não alimenta clientelas partidárias. São duas filosofias totalmente diferentes.


Qual é a sua avaliação sobre os sucessos atingidos pelo Governo nestes primeiros meses de governo?


Não podemos falar ainda em sucesso, mas creio que o nosso governo nestes primeiros meses já deixou uma marca: a descompressão da sociedade. A sociedade está mais tranquila e confiante e renovou a confiança. Também posso salientar alguns passos dados muito importantes na questão de Chã das Caldeiras pois colocamos um orçamento de cerca de 500 mil contos para ajudar a população de Chã das Caldeiras. Também posso salientar algumas medidas tomadas no tema do emprego, com a isenção de taxa de segurança social para as empresas que contratem jovens desempregados.

Resumindo, a confiança aumentou e as pessoas acreditam que é possível agora chegarmos mais à frente.


O Senhor Ministro tem uma ampla experiência na gestão e direção dentro do partido. Como o Senhor sabe, a audiência é composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas práticas de gestão. Quais são as principais lições que o Sr. Ministro poderia compartilhar ou que estilo de liderança o Sr. Ministro acha que deve ter um bom líder?

 

Eu acho que um bom líder tem, acima de tudo, de chegar ao coração daquilo que as pessoas querem e que estão dispostos a fazer pelo seu país. Eu acredito que um bom líder é aquele que partilha, que supera, aquele que é tolerante, que celebra a diferença, que trabalha em equipa e promove a unidade de todos.

É esse o caminho que nós queremos para o nosso país. É nesse quadro que, tanto o Primeiro Ministro como todos os ministros têm atuado, no sentido de partilhar sempre as decisões, de superar, trabalhar, ser um exemplo, promover a unidade de todos e, acima de tudo, celebrar a diferença. Celebrar essa diferença de opinião é o que nos faz crescer e ter capacidade de fazer a síntese e mostrar o caminho.


Para finalizar, qual é a mensagem que o Sr. Ministro queria transmitir aos potenciais investidores e leitores em relação a Cabo Verde e ás oportunidade de investimento?


Cabo Verde é um país extraordinário, com uma população extraordinária, com uma História extraordinária, que é exemplo daquilo que nós queremos para o mundo. Um país de paz, estabilidade, que celebra as diferenças, que transmite confiança, que é seguro e previsível.
Podem investir em Cabo Verde e terão muitos bons resultados. Partilhamos todos os valores da democracia, da liberdade, da defesa dos Direitos Humanos, da dignidade da pessoa humana e isto já são garantias de um bom investimento.


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.