Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Gualberto do Rosário

Sua Excelência Gualberto do Rosário

Primeiro Ministro da República de Cabo Verde (2000-2001) / Presidente da Câmara de Turismo, Cabo Verde (Primeiro Ministro de Cabo Verde (2000-2001) / Presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde)

2016-10-19
Sua Excelência Gualberto do Rosário

O Senhor foi o terceiro Primeiro-Ministro de Cabo Verde, depois de Carlos Veiga e antes de José Maria Neves. Agora o MpD (Movimento para a Democracia), o partido com quem governou, voltou ao poder em Abril pela mão da SE Ulisses Correia e Silva, depois de 15 anos na oposição. Com a sua visão de antigo Primeiro-Ministro e com o seu conhecimento da realidade cabo-verdiana, quais são os desafios que Cabo Verde deve atacar num futuro próximo?

 

 

As repercussões da crise em todos os países do mundo, particularmente num país pequeno, ligado com o resto do mundo como é Cabo Verde, foram importantes. Cabo verde é um país de economia muito aberta em todos os sentidos, sendo o turismo o principal produto de exportação, que representa mais de 24% do PIB do país. Também é um país que importa bens de consumo, serviços e tecnologias.

 

Se nos situarmos estritamente no contexto económico, diria que Cabo Verde tem um objetivo que é a consolidação do sistema económico cabo-verdiano e a estabilização macroeconómica, que é um desafio extraordinariamente importante para um país.

Neste sentido considero que o governo está bem em termos de orientação política, na medida que prioriza a consolidação do orçamento do Estado, a estabilização de políticas macroeconómicas, a manutenção da paridade fixa de nossa moeda ao euro, tendo como suporte o Acordo de Cooperação Cambial assinado com Portugal (mais tarde com a União Europeia), que é um fator muito importante para a economia.

 

Para além da questão da estabilidade e da regulação macroeconómica temos o desafio das políticas fiscais e o governo está a trabalhar no sentido de trazer alguns elementos inovadores para conferir maior competitividade fiscal ao país.

 

Um outro fator importantíssimo é a solução do problema de financiamento à economia. Cabo Verde é um país pequeno que gera poupança modesta, não suficiente para os grandes investimentos que existem. Por conseguinte o acesso ao mercado de capitais é um elemento essencial para o qual nós tivemos condições facilitadas antes da crise. Os projetos maiores das empresas cabo-verdianas eram financiadas por bancos exteriores, portugueses nomeadamente. Com a crise internacional ficou quase impossível obter um financiamento deste mercado. Por conseguinte o governo está a trabalhar numa solução e, a partir do início do próximo ano, este problema do financiamento à economia estará resolvido.

 

 

O Senhor Primeiro Ministro Correia e Silva ganhou as passadas eleições de 2016 com maioria absoluta com um programa que inclui a melhoria do ambiente de negócios para posicionar o país dentro do top 50 do Doing Business Report do Banco Mundial, tendo como alvo principal a atracão do investimento direto estrangeiro e a criação de empregos. Como conhecedor de um dos sectores mais dinâmicos da economia cabo-verdiana, quais são as medidas que o governo deveria implementar para melhorar o seu ambiente de negócios?

 

 

Esse objetivo, também é nosso objetivo e nós acreditamos que o governo, neste domínio, precisa trabalhar de uma forma muito concertada e estratégica. Referi uma estrutura fiscal que seja promotora dos negócios; referi a questão do financiamento da economia; a melhoria do ambiente de negócios passa por muitas mudanças, inclusive no funcionamento dos tribunais, mas também nos indicadores de boa governação. São indicadores universais e que dão um sinal ao investidor externo. Acreditamos que o governo terá de trabalhar neste domínio para melhorar as condições de investimento no país.

 

O governo terá de avançar com a promoção dos vetores do desenvolvimento e pensamos que está a trabalhar bem neste domínio em três eixos fundamentais para o desenvolvimento autossustentável de Cabo Verde:

1) apostar no turismo como sector estratégico da economia;

2) apostar na economia marítima: porque hoje colocam-se novas oportunidades que resultam das mudanças tecnológicas que estão a acontecer na área de transportes marítimos, com a substituição do fuel para o gás natural que é já uma realidade e uma tendência para o futuro de Cabo Verde como país de prestação de serviços nessa área. Outros domínios da economia marítima, como o transshipment, também virão associados.

3) apostar no domínio do transporte aéreo, considerando a localização de Cabo Verde, para sermos uma plataforma de distribuição de transporte aéreo africano, europeu, sul e norte-americano.

Terá de haver políticas consistentes nessas áreas. Penso que há entendimento neste domínio por parte do governo. Da nossa parte podemos encorajar o governo no sentido de avançar.

 

 

Quando foi recentemente reeleito Presidente da Câmara de Turismo o senhor declarou, “a nova direção da Câmara de Turismo vai criar as condições para vencer as dificuldades em matéria de financiamento da economia”. Já falámos desse grande desafio para cabo Verde, mas como a Câmara de Turismo vai fazer para que as entidades financeiras apoiem nesta tarefa de reativar o sector?

 

 

A solução que o governo está a encontrar resulta da nossa cooperação na concepção tanto do Fundo de Garantia, que o governo já anunciou, como do Fundo de Capital de Risco. São fundos que conferem um nível de remuneração aos investidores muito grandes e vão permitir criar condições para que as empresas cabo-verdianas possam entrar no mercado de capitais, que é o grande desafio de Cabo Verde. Se Cabo Verde criar condições de confiança e garantia, designadamente para os projetos, as empresas poderão aceder ao mercado de capitais.

Neste momento é um Fundo de Garantia soberano, porque o proprietário das ações do Fundo é o Estado. O Fundo garante apenas, não dá empréstimos, mas tem recursos: vai arrancar com 200 milhões de euros. Esses recursos são aplicados por gestores para produzir rendimento mas, além disso, o Fundo tem rendimento das garantias subprestas.

O Estado emite títulos de valor equivalente ao capital e coloca-os no mercado, sendo os privados quem compram esses títulos através de várias instituições, locais e externas. Com a compra desses títulos, os compradores adquirem o direito à remuneração percentual aos rendimentos que o Fundo obtém na aplicação dos seus recursos.

Considerando o ritmo com que o governo está a trabalhar, eu acho que no início do próximo ano, antes do fim do primeiro trimestre, esse sistema estará operacional, assim como o Fundo de Capital de Risco. Vai ser um desenvolvimento fundamental para o país.

 

 

A Câmara do Turismo faz as funções de ponto de encontro entre os atores do sector como empresários, investidores, financiadores, o governo, os sindicatos, etc. Como definiria a relação da Câmara com o governo atual e com o resto dos atores? Qual é a atitude que tem percebido do novo governo para com os investidores turísticos?

 

 

Todo o sistema cabo-verdiano está constitucionalmente reparado para funcionar numa base institucional de concertação social e de cooperação entre os diferentes atores sociais e económicos, o que se substância através do Conselho de Concertação Social. Nós, representantes de mais de 80% do sector do turismo e dos principais operadores, somos membros do Conselho, junto com o próprio governo e os parceiros sociais. O objetivo do Conselho é criar convergência para termos um país que funciona sem tensões sociais, com base na compreensão reciproca e é graças a essa dinâmica que em Cabo Verde não temos greves e temos um ambiente social de estabilidade, porque há muito diálogo que é a mensagem fundamental da nossa Constituição.

 

Sabemos que o governo está a trabalhar para aprofundar na concertação, também em outros órgãos constitucionais como a Presidência da República e o Concelho Económico, Social e Ambiental para que exista o diálogo que com este governo tem uma tendência muito forte para se aperfeiçoar. Nós, por exemplo, já temos negociado um memorando que vai definir a nossa relação com o Estado nos próximos anos.

 

 

A maior indústria de Cabo Verde é o turismo. Atualmente debate muito sobre o turismo all inclusive que tem sido a tendência em Cabo Verde, frente à necessidade de diversificar para um turismo cultural ligado ao património e à História, a um turismo de natureza para algumas ilhas, de aventura, de saúde ou de negócios e convenções para lugares como a Praia. Quais são os subsectores que, como Presidente da Câmara de Turismo de Cabo Verde, acha que têm mais potencial? Quais são as oportunidades para o investidor estrangeiro?

 

 

Penso que é estéril debater se o país deve apostar no all inclusive ou em outros tipos de turismo: o país deve apostar em todos os mercados.

O all inclusive é um bom produto que representa 24% do PIB, 20% do emprego, 20% das receitas públicas e 65% das receitas de exportação. Não temos nenhuma razão para termos preconceitos relativamente ao all inclusive. O turismo sol, praia e mar representa 30% do turismo mundial, sobretudo na Europa.

O debate tem de ser feito sobre a diversificação, sobre como aproveitar cada uma das nossas ilhas, porque todas elas têm potencialidades. Cabo Verde é um país de singularidades culturais que faz parte da História do mundo desde o século XV. Tem um ambiente diversificado em todas as suas ilhas. O nosso país presta-se a um turismo diversificado para ter uma economia muito mais resiliente: se um sector qualquer falhar, os outros não.

Com certeza há nichos no mercado que se prestam mais ao serviço endógeno do que ao investimento externo, seja porque se presta ao investimento em comunidades pequenas, seja porque o turismo de habitação é mais viável e interessante para determinadas ilhas: Santo Antão, São Vicente, São Nicolau, que têm um património construído interessante que pode ser aproveitado para o turismo, mas também há onde se pode construir, mesmo em ilhas como o Sal e Boa Vista que concentra o essencial do produto cabo-verdiano.

 

 

O numero de visitantes em Cabo Verde tem crescido de forma impressionante, de 115.000 em 2000 aos atuais 500.000 turistas por ano. A meta do governo, como falou a SE Correia e Silva na sua entrevista connosco, é chegar à cifra do 1 milhão de visitantes para 2021. Isso resulta num desafio para o país no seu conjunto em termos de logística, infraestruturas e de sustentabilidade. Quais seriam as necessidades em infraestruturas mais essenciais para poder acolhê-los, incluindo a sustentabilidade ambiental?

 

 

Só no primeiro semestre de 2016, já ultrapassamos os 500 mil turistas e o segundo semestre está a ser mais procurado do que o primeiro. Atingiremos 700 mil visitantes neste ano.

 

O conceito com que trabalhamos, e que hoje é universal também para o governo, é o conceito de turismo sustentável. Todos os nossos esforços e as nossas recomendações são no sentido de sustentabilidade do investimento. Garante-se através de uma via que seja amiga da economia, do ambiente e do social.

 

Obviamente que quando temos processos de desenvolvimento rápidos, como Cabo Verde está a conhecer, temos desajustes. Por exemplo, temos migrações internas muito fortes, no caso da ilha de Sal. Na última década dobrou a população com migrantes, o que coloca desafios na educação, na saúde, na acessibilidade, na provisão da água, energia, habitação, a gestão do lixo e do meio ambiente em geral. O importante é que há uma grande sensibilidade da comunidade dos investidores em relação a esses domínios, que acompanha à perspetiva governamental, pelo que não existem conflitos.

A Câmara de Turismo defende esses valores como essenciais: sem eles não há turismo.

 

 

O senhor anunciou faz algumas semanas que a Câmara de Turismo vai assumir a função de promotor único do Turismo em Cabo Verde. Para seduzir a comunidade investidora as bases económicas fortes são essenciais mas também o é a confiança e a imagem internacional do país que devem ser divulgadas, sobretudo neste momento onde existe uma janela de oportunidade com a instabilidade nos países do sul do Mediterrâneo e a Turquia. Como vai a a Câmara, sob a sua direção, aproveitar essa janela de oportunidade de que falamos para colocar Cabo Verde como destino de referência para os turistas europeus e norte-americanos?

 

 

Por natureza, os pequenos países insulares são países de vocação turística. Todos os pequenos países de sucesso têm no turismo o elemento fundamental da sua economia. Cabo Verde, nesse aspeto, não é exceção e obviamente que este fator geográfico, associado ás condições ambientais, à singularidade cultural, à experiência histórica e de paz social nos coloca como país potencialmente turístico. Somos um país previsível, onde as pessoas podem programar umas férias sem antecedência. Para além desses fatores, nós estamos muito próximos do principal emissor do mundo de turistas, que é a Europa: a distância às capitais varia entre 3h30 e 6 horas, sem jet lag.

 

A nossa forma de promoção deve passar por demonstrar o país que somos. Não somos as “Caraíbas de África”, como muitas vezes já se ouvia em termos de publicidade. Somos Cabo Verde, um destino específico e temos de saber vender e promover essa especificidade. Temos de pensar de forma diferente: Cabo Verde é um destino com enorme potencial turístico, com ou sem crise no Mediterrâneo.

 

Claro que devido às crises no Mediterrâneo, a tendência é de aumento do turismo em Cabo Verde e devemos aproveitar o momento para fazer de uma tendência conjuntural, uma realidade estrutural pelas razões que invoquei inicialmente. Temos essa oportunidade não só para o mercado europeu, mas também para o mercado norte-americano e sul-americano. Nosso esforço de marketing há de ser na promoção do país pelas virtudes que tem enquanto destino turístico potencial e não assente na crise de outros.

A estratégia da Câmara de Turismo passa por aproveitar aquilo que é tradicional, como as principais férias, colaborando com os países da Macaronésia [Espanha, com Canárias, e Portugal, com Selvagens, Madeira e Açores]. Mas pensamos também apostar seriamente nas novas tecnologias e nos “Embaixadores do Turismo”: Cabo Verde é um país de diáspora e podemos ter embaixadores em todo lado do mundo para a promoção, já que o mundo de hoje funciona em rede, sem esquecer a própria diáspora, que é um mercado que nós não podemos ignorar e representa uma fatia importante do nosso turismo.

 

 

O Gualberto já experienciou gestão no sector privado, no sector associativo e no sector publico, como Ministro de várias carteiras ministeriais como Agricultura ou Coordenação Económica e como Primeiro Ministro de Cabo Verde (2000-2001), como já falamos. Como o Senhor Gualberto sabe, a audiência da HBR é composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas práticas e casos de estudo: segundo o Senhor Gualberto, quais são as características que fazem um bom líder e gestor?

 

 

A liderança hoje não pode ser pensada como há algumas décadas atrás em que a pessoa capacitada de uma autoridade hierárquica. Hoje a liderança exige novos requisitos. O primeiro requisito de um líder é ser um homem de estudo, com conhecimento para poder entender as propostas que lhe são apresentadas, mesmo aquelas que não são da área.

O segundo ponto é saber que não se resolve nada de forma imperativa, sem aprofundar no diálogo, sem saber fazer convergir várias visões e propostas para a solução de um determinado problema. O diálogo é um aspeto essencial.

Um líder também deve ser humilde. Deve ser o primeiro a dar o exemplo de sacrifício, e o último a dar exemplo de usufruir benefícios.

 

Penso que são características essenciais para termos um líder à altura em qualquer empresa, governo e até família.

 

 

Para finalizar, qual é a mensagem que o Senhor quer transmitir aos potenciais investidores e leitores em relação a porque eles têm que visitar e confiar os seus investimentos em Cabo Verde?

 

 

Cabo Verde é um país de oportunidades. A maior riqueza deste país é a sua localização geo-económica, são os intangíveis.

Ninguém vem para Cabo Verde porque tem petróleo e minerais, mas tem uma localização geo-económica extraordinária e consegue fazer a ponte entre vários mercados. Nós podemos fazer aqui uma plataforma e ser percebidos como um país-plataforma para desde aqui articular os continentes atlânticos todos. É uma vantagem que poucos países podem dizer que têm.

Cabo Verde é também um país organizado, seguro, com paz social adquirida, sem história de instabilidade, mesmo nos momentos políticos mais difíceis como foi o processo de independência ou de transição do regime do partido único para democracia no 1991.

 

Esses são fatores únicos e muitos especiais que estão reunidos aqui que, juntamente ao ambiente, à cultura, à história que podem completar o produto cabo-verdiano como diamante em bruto para o domínio do turismo.

 

 

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.