Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Olavo Correia

Sua Excelência Olavo Correia

Ministro das Finanças de Cabo Verde (Ministério das Finanças de Cabo Verde)

2016-10-24
Sua Excelência Olavo Correia

Na entrevista com a SE o Primeiro Ministro e com outros membros do governo ressaltou-se que uma das qualidades mais apreciadas pelos investidores, vitais quando têm que decidir se investem ou não num país, é a estabilidade política. Cabo Verde tem também alternância dos partidos no governo, o que mostra força institucional, e um dos resultados melhores da África em liberdade de imprensa, em percepção da corrupção e em qualidade democrática segundo Freedom House, Tansparency Internacional e The Economist Intelligence Unit repetitivamente. Qual é o segredo para manter esse nível de qualidade e estabilidade democrática?

 


Em primeiro lugar, o que faz a diferença entre países e povos é, sobretudo, a qualidade do sistema educativo. O investimento que o país fez no sistema educativo ao longo dos anos depois da independência, no ensino pré-escolar, ensino básico, ensino secundário e superior coloca-nos numa posição, em termos de população escolarizada, muito privilegiada. Quando a população é escolarizada e está informada, há uma exigência maior em relação ao funcionamento do sistema democrático.

 

O segundo aspeto tem a ver com a nossa diáspora. Cabo Verde tem uma diáspora diversificada nos mais diversos países do mundo e essa ligação com países mais desenvolvidos em matéria democrática e de respeito pelos Direitos Humanos o que empurrou o país para outro patamar de exigência quando comparamos com outros países africanos.

 

Resumindo, dois fatores fazem toda a diferença no que diz respeito ao sistema democrático: 1) a qualidade do sistema educativo; 2) a abertura do país ao mundo.

 


Na conversa com o Banco de Cabo Verde, o Governador José Serra diz que há liquidez suficiente e não há lugar para mais política monetária expansiva. As taxas de juros estão baixas, mas os empresários dizem que as instituições financeiras não dão crédito pela seu medo ao risco devido à grande quantidade de créditos mal parados. Como resultado, a taxa de inflação é atualmente negativa, o crescimento económico continua a ser baixo -do entorno do 1,5% em 2015, 3,5-4,5% para 2016- e a taxa de desemprego é alta -do 12,4%. Sem crédito, a atividade económica não atinge o seu potencial e o Estado não tira receitas para honrar as dívidas. Como vai fazer o Governo para terminar com esta situação de bloqueio, com este ciclo vicioso?

 


O Sistema financeiro cabo-verdiano é um sistema com excesso de liquidez. 30% da nossa base monetária é alimentada com os depósitos dos nossos emigrantes, sobretudo, dos EUA e da Europa. Os bancos têm liquidez, mas há um problema na intermediação entre a poupança e os investimentos geradores de emprego, exportação e crescimento económico.

 

A razão tem a ver com a percepção do risco. O risco país, o risco soberano, mas também os riscos empresarias. Cabo Verde é uma pequena economia sem escala e tem problemas estruturais a nível dos transportes, a nível do funcionamento do mercado laboral, do próprio funcionamento do sistema de logística e distribuição, o que coloca desafios extra ao projetos e empreendimentos.

 

Os bancos são receosos no sentido de consentirem crédito a projetos que, na sua ótica, representam um risco elevado, sobretudo após as crises bancárias globais e europeias em particular, quando o negócio tornou-se ainda mais regulamentado. Não podemos impor aos bancos que os depositantes assumam riscos para além daquilo que é o normal para o negócio, mas o Estado, deve propor soluções que, a curto prazo, passam por facilitar instrumentos que possam garantir a mitigação ou a partilha de riscos. Estamos a trabalhar na criação de Fundos de Garantia, mas também Fundos de Recuperação de Empresas para melhorar a sua estrutura financeira e partilhar o risco com o sistema bancário, de acordo com projetos que sejam rentáveis e que tenham potencial de investimento.
Estamos a trabalhar nesses instrumentos, com a participação de parceiros internacionais, e pensamos ter arrumada a estrutura para começar a funcionar a partir de 2017.

 


Um dos desafios mais grandes que tem o país é no plano fiscal, com a dívida pública ultrapassando o 130% do PIB e um deficit publico de 4,1% do PIB em 2015 que, no Orçamento do Estado de 2016, se coloca no -5,2% o que pode afetar a avaliação do risco soberano do pais. Um dos compromissos do novo governo é a melhoria radical do risco soberano do país para atingir uma nota entre BBB e A desde a B que tem atualmente. Qual é o roteiro que o governo vai seguir para consegui-lo?

 


É um desafio muito ambicioso. Nós vivemos agora um contexto internacional complexo com as crises europeias que têm consequências económicas para Cabo Verde, nomeadamente ao nível do turismo. Com o menor crescimento da economia internacional temos tido, também, uma redução da ajuda pública ao desenvolvimento. O modelo de crescimento que foi seguido nos últimos anos tinha dois vértices: a ajuda pública ao desenvolvimento e o aumento da dívida. Esse modelo está esgotado e o novo modelo vai se assentar sobretudo no aumento da eficiência fiscal e no aumento das receitas domésticas para ajudar no próprio orçamento. Temos de crescer 6-7% ao ano para podermos reduzir o peso da dívida e podermos entrar numa trajetória de consolidação orçamental e de eficiência das despesas públicas aumentando as receitas endógenas, porque cada vez mais os recursos do exterior são menores, pela via da ajuda pública e pela via do endividamento.

 

Nós temos que alterar esses quadros através da dinâmica do crescimento económico para conseguir aumentar o PIB no 6-7%. Em primeiro lugar é preciso melhorar o ambiente de negócios e conseguir uma administração pública business-friendly em relação ao investimento privado nacional ou estrangeiro.
Também temos que empreender reformas ao nível da fiscalidade, do financiamento para que exista crédito para as atividades empresariais, dos transportes aéreos e marítimos para unificar o mercado e a qualificação dos recursos humanos para termos um mercado de trabalho eficiente. Um país como o nosso, que não tem muitos recursos naturais, tem de apostar na qualidade das instituições e no ambiente de negócios para se tornar mais atrativo para o investimento, para a inovação, para a produção e para a exportação.

 

Nós procuramos investidores internacionais e da nossa diáspora de qualidade, com capacidade, com know-how, com financiamento através da promoção da marca Cabo Verde. Atualmente os europeus estão presentes no país: ingleses, irlandeses, portugueses, espanhóis, franceses e alemães. Mas também tem havido procura de investidores chineses e, numa fase exploratória, americanos.

 


Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva, junto com a maioria de Ministros e atores económicos entrevistados, mencionou a necessidade de diversificar a economia para crescer. Quais são os sectores alvo que têm mais possibilidades de desenvolvimento? Vai o Governo privilegiar esses sectores? Quais são as oportunidades para o investidor estrangeiro?

 


Para uma pequena economia como a nossa crescer a uma taxa de 6-7% ao ano, tem de ter um foco e uma estratégia alvo. Não pode trabalhar com vários alvos ao mesmo tempo, como demostram experiências comparadas com países com essa dinâmica de crescimento.

 

O nosso foco a curto prazo é claramente o turismo, não no sentido de ser o único sector, mas enquanto a ser o sector que pode gerar escala e oportunidades para vários outros sectores. Se apostamos no turismo e aumentarmos o número de turistas que vêm todos os anos, podemos duplicar ou quadruplicar a população residente e, com isso, temos um mercado com mais e melhores oportunidades de rendimento e de crescimento. Quando dizemos turismo estamos a falar de construção, restauração, viagens, transportes, comunicação; turismo de resorts mas também de montanha, de negócio ou cultural.

 

Isto não significa que este seja o único sector com potencial de crescimento em Cabo Verde. Temos a economia azul, as tecnologias da informação e comunicação, a agro-indústria ou os transportes, e o turismo é importante não só como sector de negócio, mas também como sector gerador de escala e de oportunidades de negócio para os mais diversos sectores da economia. A nossa ideia é transformar Cabo Verde num hub, numa plataforma de serviços tendo em conta a exploração do vasto mercado da CEDEAO [Comunidade de Económica dos Estados da África Ocidental] e africano.

 


Um dos objetivos marcados pelo MpD no seu programa eleitoral é a melhoria do ambiente de negócios colocando Cabo Verde no top 50 do Doing Business Report do Banco Mundial atuando sobre a fiscalidade para integrar Cabo Verde no top 15 em matéria de competitividade fiscal no mundo, tendo como alvo principal a atracão do Investimento. Quais são as condições vantajosas que vai encontrar o investidor que quiser investir em Cabo Verde depois das reformas que o seu Governo vai implementar?

 


Qualquer investidor que vem para Cabo Verde, tendo em conta o nosso mercado, tem de olhar para o vasto mercado africano e da CEDEAO, um mercado de 200 milhões de habitantes, e ver o nosso pais como plataforma para que investidores europeus e americanos possam atingir esses mercados. Pertencendo à CEDEAO temos direitos de preferência e podemos exportar a partir de Cabo Verde isento de taxas. Todas as empresas que querem residir aqui, podem depois colmatar-se no vasto mercado africano com a vantagem de que somos um país estável politicamente, temos um sistema institucional que funciona, e segurança jurídica. Fazemos também parte do grupo de sistemas de preferência a nível do programa AGOA com os Estados Unidos da América, em que empresas domiciliadas e Cabo Verde, sobretudo no domínio de têxteis, pescas, e da indústria ligeira, podem exportar para o mercado dos EUA.

 

Também temos potencial endógeno ao nível do turismo, que está a crescer nos últimos anos a uma taxa de 20% em números de turistas, das pescas, da agricultura, da agro-indústria, do sector financeiro na perspetiva de sermos uma praça para que possamos atingir outros mercados ou para que o investidor possa domiciliar a suas poupanças e os seus investimentos, através de um mercado de capitais.

 


A CEDEAO, a qual Cabo Verde pertence enviou um relatório no mês passado sobre a criação de uma moeda única para a região com horizonte 2020. Cabo Verde é o único país da CEDEAO que não esta integrado nem na União Económica e Monetária do Oeste Africano (UEMOA) nem na Zona Monetária de África Ocidental (WAMZ) porque agora tem o escudo ligado ao euro, o que traz muitas vantagens para relação de exportação com a EU. A adoção de uma moeda para a CEDEAO seria uma iniciativa que Cabo Verde consideraria?

 


O que importa neste momento é aprofundamos as relações económicas no mercado da CEDEAO. Porque a convergência monetária é por definição a última fase de união económica. O que importa agora é resolver o problema dos transportes, criar um sistema tarifário para que o mercado seja um mercado único do ponto de vista da importação e da exportação ao nível da CEDEAO, incentivarmos as relações económicas entre os nossos países e, numa fase posterior, abordar a questão de convergência monetária.
É uma questão que estamos a avaliar mas estamos preocupados com a convergência económica da CEDEAO. Ainda há muito trabalho por fazer e é a própria dinâmica económica que vai colocar essa questão sobre a mesa no futuro e depois nós tomaremos a melhor decisão.

 


Na apresentação do Orçamento para 2016 o Senhor Ministro declarou que “não é o [orçamento] que gostaríamos de apresentar aos cabo-verdianos” devido à herança recebida do executivo precedente. O Governo já começou a elaborar o Orçamento de Estado para 2017 e, “brevemente, os cabo-verdianos poderão apreciar um orçamento com um conjunto de políticas e medidas dentro do programa de governação que apresentamos”. Quais vão ser essas diferenças que os cabo-verdianos poderão apreciar?

 


O contexto internacional e nacional como é complexo mas representa uma enorme oportunidade do ponto de vista de nos focarmos na promoção do turismo de melhorarmos o ambiente de negócios, de abordarmos da melhor forma o funcionamento do sistema financeiro de empreendermos a questão fiscal que consiga ser amiga das empresas e dos empresários e incentivador também da produção e da exportação. Temos e podemos resolver o problema dos transportes, aéreos e marítimos, para que possamos unificar o mercado e para resolver o problema social da falta de acesso de todos os cabo-verdianos ao país no seu todo. Queremos também alterar o funcionamento do Estado, colocá-lo ao serviço das empresas, das famílias. Temos necessidade de criarmos emprego para os jovens. A nível do orçamento para 2017 vamos ter de encontrar as soluções para todas essas questões que aqui já referi.

 

Nós temos que reduzir o peso do Estado na economia, presente com conjunto de empresas públicas, hoje deficitárias, que representam um risco fiscal e não conseguem prestar um serviço de qualidade. São, nomeadamente a TACV no sector aéreo, a Electra ao nível da energia e a água, a própria concessão dos principais portos e aeroportos ou a Cabnave que são os estaleiros em São Vicente. A nossa ideia é privatizar e concessionar as principais empresas e serviços públicos no domínio dos transportes, das energias, dos aeroportos, e da reparação naval, de forma que o peso do Estado a economia seja o menor possível com o melhor e mais eficiente serviço. Assim, o Estado poderá canalizar os recursos para a educação, a saúde e a segurança que estão carentes em matéria de investimentos públicos.

 


Para finalizar, qual é a mensagem que o Senhor queria transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação a porquê eles tem que confiar seus investimentos em Cabo Verde?

 


Cabo Verde é um país que enfrenta desafios no ponto de vista económico, mas é um país repleto de oportunidades a nível do turismo, das pescas, da economia do mar e tem um vasto mercado africano a sua frente que pode ser explorado. É um país estável do ponto de vista económico, político e social e que encerra oportunidades de negócios muito rentáveis para os investidores.

 

A nossa preocupação também tem a ver com a rentabilidade do negócio para que o investidor possa ter retorno no seu investimento e possamos fazer crescer a economia cabo-verdiana. Vamos estar ao serviço do investidor e das empresas para que esse mesmo Estado possa ser colaborante, facilitador, parceiro. Juntos, o sector público e o sector privado seja nacional ou estrangeiro, teremos de fazer crescer a economia e o país. Estamos determinados a formatar o Estado parceiro.

 

Nós convidamos a todos os interessados a olhar para o nosso país e avaliar as oportunidades de negócios. Vão encontrar a colaboração e parceria do Estado de Cabo Verde, do governo de Cabo Verde.

 


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.