Mozambique: Interview with Rogério Samo

Rogério Samo

Vicepresidente (CTA (Confederação das Associações Económicas de Moçambique))

2016-06-27
Rogério Samo

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes


Mozambique têm um potencial de crescimento invejável para muitos países vizinhos e do resto do mundo. Segundo o Sr. Samo Gudo, quais são a principais vantagens de Moçambique comparado com os países da região de um ponto de vista económico?

Moçambique possui muitas vantagens comparativas em relação aos seus países vizinhos devido à sua boa localização geográfica que proporciona uma vasta costa marítima e a ocorrência de diversos recursos.

Moçambique apresenta uma localização geográfica estratégica. Possuímos uma longa costa de cerca de 2000 km que nos coloca numa posição com grande potencial para servir o hinterland. Outra vantagem ainda do ponto de vista geográfico de Moçambique é o fato de encontrar-se no Este de África o que facilita as ligações com o Oriente, estamos por isso numa  zona bastante próxima do Oriente sob ponto de vista logístico. Se olharmos de um ponto de vista global, temos uma boa localização logística para o transporte das mercadorias.
Se olharmos de uma forma regional temos portos que nos permitem fazer os serviços de transporte com os países do hinterland. E se olharmos de um ponto de vista regional temos também portos que nos permitem servir os países do hinterland. onde são exportados muitos dos seus produtos para Europa e para Ásia. Também no caso da Zâmbia, Zimbabwe, Tanzânia, DRC ou Suazilândia que usam os nosso portos.

Outra vantagem é o facto de Moçambique possuir uma longa costa onde se encontra um grande potencial agrícola e turístico.
Especificamente no sector agrícola, temos um potencial de terra arável de cerca de 36.000 hectares que representa um enorme potencial agrícola com possibilidade de diversificação das culturas a produzir tanto para o consumo interno como para exportação incluindo a amêndoa de caju, algodão, arroz, banana, batata, manga, feijões, chá, mel, milho, gengibre, mandioca, cítricos e madeira.  A revitalização da capacidade produtiva dessas culturas é fundamental no processo da integração de Moçambique na região, acompanhado pela revitalização da agro-indústria para o processamento primário da produção agrícola com a finalidade de exportação e processamento completo para o consumo interno.

Entretanto, Moçambique ainda tem um longo caminho para conseguir vantagens competitivas em relação aos seus concorrentes. Muitos dos assuntos estão relacionados com o ambiente de negócios.


A CTA já alertou para os efeitos que o conflito político-militar poderá ter na atração de investimento. É a imagem da situação atual do país que se tem no exterior concordante com a realidade moçambicana? Como pode afetar essa imagem a capacidade de atração de investimento em Moçambique?

Esta situação político-militar é uma situação crítica e séria para o País. No entanto não é uma novidade para a comunidade moçambicana que desde 1994, quando começámos com o processo democrático, que temos vivido estes ciclos de desentendimentos políticos entre os dois grandes partidos.

Na conjuntura atual, temos um série de factores que fazem com que Moçambique não tenha a estabilidade política desejada por todos. Mas há uma grande vontade pela parte do governo em resolver esta questão o mais rapidamente possível porque o governo tem consciência do impacto que esta situação cria ao nível socioeconómico.

Obviamente estas questões afetam a atração de investimento estrangeiro mas é importante referir que não é só esta questão político-militar, há outros fatores que têm que ser tratados para que se Moçambique possa voltar a ter credibilidade junto da comunidade estrangeira.


Desde a criação da CTA, que houve uma maior abertura da economia Moçambicana assim como a implementação de uma série de reformas por parte do Governo. O país e as empresas estão neste momento a enfrentar algumas dificuldades , como por exemplo o aumento dos preços das importações devido à desvalorização do metical. Segundo o Sr. Samu Gudo, quais são as medidas que o Governo deveria implementar para melhorar a situação económica e o clima empresarial?

A plataforma que temos de diálogo permite-nos ser um parceiro privilegiado. CTA é um exemplo a usar nos outros países da região como modelo de diálogo público-privado com o governo.
O governo tem-nos consultado em quase ou todos os temas económicos que merecem a atenção do sector privado. E nós também temos estado a colocar questões que são da nossa preocupação. O diálogo entre o sector privado e público flui muito bem, por exemplo no ano passado elevamos este diálogo do gabinete do Ministro da indústria e do Comércio para o gabinete do primeiro ministro e isto demonstra como o nosso governo tem muita sensibilidade sobre os aspectos empresariais.

Chegados aos desafios atuais, as nossas recomendações estão no sentido do Estado emagrecer as suas despesas. Uma das formas de o fazer é por exemplo, entregar ao sector privado, algumas das empresas públicas que não estão a ser rentáveis, reduzindo assim a sua factura do ponto de vista dos custos operacionais. Estas empresas, estando nas mãos dos empresários (sector privado) podem ajudar ao orçamento do estado através da colecta de impostos. Esta é a maior recomendação que CTA deixa ao Governo em relação aos desafios que o país tem estado a viver ultimamente.


O Governo implementou recentemente uma simplificação nos procedimentos para estabelecer a ligação elétrica que foi bem-vinda pela CTA.  A sua empresa, a MCNet também trabalhou com o governo neste sentido de redução da simplificação da burocracia. A CTA considera a burocracia como um impedimento na atração do investimento no país? Quais são os passos que o Governo deveria dar nesta direção de simplificação da burocracia?

Nós aqui em Moçambique à semelhança de outros países da região somos avaliados através do Doing Business Report. O Doing Business Report é uma avaliação feita pelo Banco Mundial, aqui em Moçambique como noutros países que avalia diversos parâmetros, um deles a burocracia. Nos últimos anos crescemos nesta avaliação, subimos na escala o que é bom, apesar de só no ultimo ano termos descido um pouco. Estas medidas de simplificação burocrática fazem parte do esforço que a CTA tem estado a fazer junto ao governo, no sentido de remover as barreiras e assim permitir que o ambiente de negócios seja o melhor possível para atrair mais investimento para o país e para o país poder ter a sua sustentabilidade em termos de orçamento. São medidas que nós olhamos como positivas e estão enquadradas dentro daquilo que é a visão da CTA do melhoramento do ambiente de negócios.


O investimento estrangeiro é importante na economia moçambicana especialmente neste momento onde o financiamento escasseia e a necessidade de divisas estrangeiras tem aumentado. Quais são neste momento as regiões, os sectores e as oportunidades de investimento mais atrativas para o capital estrangeiro? E quais são as facilidades que Moçambique fornece aos investidores estrangeiros?

Para o ano de 2016, espera-se um crescimento económico positivo para os seguintes sectores; Agricultura (6,5%), Eletricidade e Gás (7,7%), Construção (7,9%), Comércio (8,0%), Industria Extractiva (10,0%), Transportes (5,8%), Educação( 8,0%), Saúde (7,5%), Comércio (8,0%), Indústria Extractiva (10%), Transportes (5,8%), Educação (8%), Saúde (7,5%), Pescas (4,8%) e Sector Financeiro (8,2%).
Por forma a atingir e acelerar o crescimento a médio prazo e mitigar os efeitos severos das calamidades naturais e do crescimento lento da economia mundial, Moçambique deve pautar pela implementação de novos projetos estruturantes em alguns sectores.
Para o efeito devemos considerar as seguintes áreas com maior potencial de investimento e capacidade de acelerar o crescimento económico em Moçambique;

A Agricultura é um dos sectores que pode criar rapidamente emprego em Moçambique. Cerca de 80% da população atualmente desenvolve agricultura de subsistência; achamos que ao melhorá-la e torná-la comercial vamos fazer crescer este sector e ele trará um bom desenvolvimento económico para o país.
Neste sector as oportunidades de investimento mais atrativas atualmente são a implementação de empreendimentos para o cultivo de cana-de-açúcar para o fabrico de bio etanol em Manica e Sofala e a Concepção de um programa de produção agropecuária em Manica e outro de produção agrícola de culturas alimentares na província de Gaza.

O outro sector que é um sector natural é a Energia. Este sector é um sector onde felizmente o país teve uma boa graça. O potencial hídrico permite-nos construir barragens, temos as minas de carvão que nos permitem extrair o carvão e transformá-lo em energia eléctrica, temos a energia solar, com enormíssimos campos onde instalar plantas produtoras. As energias renováveis em toda a sua gama podem ser desenvolvidas em Moçambique e são portanto um bom potencial de investimento em Moçambique.

Os projetos mais atrativos de momento no sector da Energia e Infra-estruturas são; a construção de uma nova terminal portuária na Baia de Pemba e um Parque Logístico adjacente a terminal, desenvolvimento e operação de Infra-estruturas e serviços; desenvolvimento e gestão de Infra-estruturas para operacionalização da Zona económica especial de Manga-Musgassa e construção de centrais eléctricas a Gás natural com destaque a Ressano Garcia respectivamente.

No sector da Indústria extractiva temos o Gás que é considerado o sector chave para avançar a economia. Temos portanto a expansão do projeto gás Pande e Temane e Instalação e operação de tanques de armazenamento e distribuição de produtos petrolíferos em Sofala como projetos de investimento mais atrativos neste sector.

Também a Indústria de processamento é um sector que pode agregar valor nos recursos que temos, agrícolas e minerais. Em termos de mão de obra podemos empregar mais pessoas na indústria de processamento e podemos trazer mais rendimentos, importantes para o desenvolvimento dos outros sectores.

No Turismo, Moçambique possuí potencialidades turísticas invejáveis. Para além da linha costeira junto ao Oceano Índico com mais de 2000km proporcionando praias e espaços de lazer, Moçambique também possui ilhas, parques repletos de fauna bravia o que representa uma boa base para o desenvolvimento turístico e atracão de novos investimentos. T

Estes sectores são primários e são onde nós nos concentramos a nível de investimento direto estrangeiro - IDE.

O Governo e a CTA comprometeram-se num acordo o ano passado a implementar reformas no ambiente de negócios, nos diferentes sectores de atividade até Julho de 2016. A CTA, pela primeira vez, será responsável pela implementação de seis iniciativas. Poderia me falar do acordo, das medidas incluídas, da responsabilidade da CTA e do nível de implementação até agora?

Neste processo de diálogo público-privado obviamente há expectativas de ambas partes (CTA e Governo). Esta experiência não é nova pois nós no passado já tínhamos feito um contrato programa com o governo para a melhoria da colecta de receitas. Por isso esta modalidade que foi colocada foi bem aceite pela CTA, porque sentimos que temos de mostrar a nossa contribuição naqueles que são os reais desafios do governo.
Neste momento a CTA está a implementar seis pontos, seis iniciativas que são:
•    a luta contra a corrupção;
•    trazer empresas do sector informal para o formal;
•    eliminar as barreiras a nível de negócio;
•    criar uma instituição para fazer a gestão de insolvência das empresas;
•    melhorar a colecta de receitas;
•    e a questão da interação entre o sector público e sector privado.


Estamos dentro dos prazos e as questões que nós colocamos estão a ser resolvidas. Achamos que esta medida é positiva, porque ela efetivamente vai trazer uma diferença.
A primeira diferença do nosso lado é a questão da confiança entre as duas instituições que é a única plataforma e instrumento para nós melhorarmos o ambiente de negócios em Moçambique.

Moçambique tem enchido as notícias da imprensa internacional, nestas últimas semanas, com o escândalo da dívida da EMATUM, a degradação no rating das agências, e a polémica com os empréstimos ocultos de outras empresas públicas e o FMI. Os empresários e as associações sectoriais têm também interesse em que a imagem do país no exterior seja a melhor possível porque esta afeta a confiança e também o financiamento do sector privado. Quais são as medidas que a CTA está a tomar em termos de comunicação estratégica e de reconstrução da imagem e da Marca Moçambique no exterior?

Nós somos parceiros do Estado, significa que tudo que acontece ao Estado tem uma influência direta sobre as nossas atividades e nós temos consciência disso. Independentemente das razões que levaram a esta situação atual , temos que nos lembrar de uma coisa:  esta situação atual é fruto de uma conjugação de factores;
 
Este novo Governo tomou posse em Janeiro de 2015. Os primeiros 6 meses foram de enquadramento e estudos de dossiers pelos novos timoneiros das diferentes áreas. Este governo entra e encontra novos desafios alguns herdados do Governo anterior, parte dos quais agudizados pelo contexto menos bom da economia global, exigindo, por exemplo, reajustamento das politicas monetária e fiscal. O reajuste nessas politicas implicou aumento das taxas de juro de mercado e cortes na despesa pública. Isto afectou o Sector Privado que começou a sentir as suas tesourarias fragilizadas.

Logo a seguir iniciou-se a crise político-militar que não jogou a favor desta Governação, não permitindo a livre circulação de pessoas e bens, pressuposto básico para o progresso.

A conjuntura internacional caracterizada pelo fortalecimento do dólar, queda dos preços dos principais bens de exportação e redução do investimento direto estrangeiro afectou de sobremaneira o desempenho económico e a governação.  
Por fim e pouco tempo depois tivemos calamidades no país (cheias no norte e secas no sul) que vieram desajudar ainda mais toda esta situação.

Essas questões, todas conjugadas, criaram condições para que dentro do governo houvesse maior dificuldade na resposta aos problemas que foram aparecendo. Ninguém esperava tantos problemas em tão pouco tempo, isto tudo ocorreu entre 6 a 12 meses.
Nós como sector privado confiamos no nosso governo, compreendemos que este é um processo que não começou agora, foram-se criando imensas dificuldades nas respostas a todas estas situações à volta da própria credibilidade. Claro que há questões que saltam mais à vista que outras, por exemplo a questão político militar e as questões da dívida  são questões que as vezes são tratadas de forma sensacionalista.

Quando olhamos para estas questões todas procuramos ver de que forma podemos trazer uma solução que seja proactiva, porque não há nenhum factor que se possa deixar de fora na equação, sob o risco das medidas que forem colocadas não serem as mais adequadas.

Apesar destas dificuldades todas, achamos que há saídas: primeiro o governo reconheceu o problema, e está a tentar encontrar mecanismos dentro de todas instituições envolvidas neste processo de “tuna bones” a todo nível. Segundo, o governo está a criar compromissos, criando formas para que as dívidas sejam sustentáveis dada esta realidade exposta. Terceiro, o governo está a sensibilizar as outras instituições que têm uma grande influência, sobretudo nesta questão humanitária global.
É preciso mostrar que, apesar do que aconteceu, Moçambique também é um país que respeita as boas práticas no sector financeiro. O nosso governo fez, tanto a nível do Presidente como a nível do Primeiro Ministro, uma grande corrida a nível internacional para tentar explicar o que tinha acontecido.

Eu penso que este processo de confiança vai ser construído a falar com as pessoas, sobretudo as pessoas que acreditam em Moçambique, para que levantem suas vozes porque é um momento bastante crítico, é ai que os amigos de Moçambique, neste momento, tem apoiar Moçambique para que seja restabelecida a confiança no país.

Nós como CTA, também temos estado a fazer corridas fora do país através de missões empresariais para tentar explicar e encorajar. Há vários países que passaram e superaram estes momentos. Temos confiança que também Moçambique irá ultrapassar esta fase difícil.


Como o Sr. Samo Gudo sabe, a audiência da Harvard Business Review está composta principalmente de CEOs e de decision-makers interessados nas boas práticas de gestão e direção. Quais são as lições e aprendizagens que valoriza mais da sua etapa como Vice-presidente da CTA e como Diretor Geral da sua empresa?

Nós somos expertos em gerir crises. Moçambique  esteve sempre em crise, só que agora expôs-se com uma conjugação de factores que fazem que seja mais difícil para o país ultrapassar esta fase.  
Se prestarmos atenção à nossa história, desde a independência, nunca tivemos momentos felizes continuamente. Tivemos muitas expectativas em 2012 e 2013. Essa ideia, que ficou no mercado, atraiu muito investimento para o país. Se nós tivéssemos a capacidade de reverter a situação atual, todas as notícias negativas se tornariam positivas e as pessoas começariam a acreditar em Moçambique.

Para finalizar, qual é a mensagem que o Sr. Samo Gudo quer transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação a Moçambique e ás suas oportunidade de investimento?

A mensagem que queremos deixar como CTA é que, no contexto global, Moçambique também está afectado pelas questões que afetam a economia internacional. Temos uma grande parte de produtos de exportação -alumínio, carvão-, que sofreram com a queda das matérias primas.
Acreditamos que Moçambique pode voltar aos níveis de crescimento que desfrutou durante bastante tempo porque os sectores principais da economia do país podem fazer uma enorme contribuição. A agricultura, o turismo e outros sectores que já referi têm muito potencial.
Gostaríamos de convidar os parceiros globais para vir e investir. Aproveitar as oportunidades que o pais brinda.
Nós, parceiros empresariais, estamos a trabalhar com o governo. Primeiro para a melhoria do ambiente de negócio e segundo para melhorar a credibilidade. Moçambique é um parceiro ideal para os negócios.