Cabo Verde: Interview with António Fernandes

António Fernandes

Presidente do Conselho de Administração (NOSI (Núcleo Operacional para a Sociedade de Informação))

2016-08-09
António Fernandes

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes


Uma das primeiras coisas que o investidor procura quando tem que decidir se investe ou não num país é a estabilidade política. Cabo Verde sobressai por ser o único país africano junto ao Senegal a não ter sofrido um golpe de Estado desde a sua  independência. Cabo Verde tem também alternância dos partidos no Governo o que mostra força institucional, e um dos resultados melhores da África em liberdade de imprensa, em corrupção e em qualidade democrática segundo Freedom House, Tansparency Internacional, EIU. Além da já comentada estabilidade política, quais são as vantagens que o país tem comparado com outras economias da região?

Para começar o seu posicionamento geoestratégico. Cabo Verde como fica no centro do Oceano Atlântico, neste corredor entre a África, a América tanto do Norte como do Sul e da Europa e apresenta-se com esta vantagem geoestratégica.
Outra vantagem de Cabo Verde é a estabilidade política, somos um país democrático que vive uma democracia estável e de qualidade. Já tivemos três transições de partidos e a Governação manteve-se sempre estável e os processos de negócios das empresas quando muda o partido é sempre feito de forma natural. Este historial dá uma boa garantia aos investidores externos.
Por outro lado Cabo Verde começa a apresentar nos últimos anos uma massa crítica de pessoas formadas à saída das Universidades, essa disponibilidade de capital humano formado já se vem manifestando e também favorece o investimento. Há bastante desemprego mas é qualificado, portanto de pessoas que saem das Universidades e não encontram oportunidades.
Ainda estamos em termos de energia e conectividade com um longo caminho pela frente. A Energia é bastante cara porque usamos os combustíveis fósseis enquanto temos todas as condições para usarmos as energias renováveis. Cabo Verde deve manter um desenvolvimento da economia sustentável do ponto de vista ecológico, aliás é a chave de toda a estratégia de desenvolvimento de Cabo Verde. Esta estratégia tem que passar pela preocupação com o ecossistema e preservação ambiental, não só porque somos ilhas e somos um país pequeno mas também para aproveitar os recursos naturais dos quais fomos brindamos como o facto de sermos um país ensolarado e ventoso e assim podermos baixar os custos de energia.
Conectividade, Cabo Verde também terá dentro de pouco tempo uma vantagem de conectividade relativamente a outros países porque passa por Cabo Verde vários cabos de fibra óptica em que Cabo Verde já está ligado a dois cabos e poderá ligar-se a mais e tornar-se assim num Hub de conectividade.
Se temos, uma massa critica de jovens educados e qualificados, se temos energia competitiva, se temos a conectividade competitiva, se temos a estabilidade política, se temos posicionamento geoestratégico conveniente eu acho que são alguns elementos que podem convencer e trazer alguns investidores a investir em Cabo Verde.


Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva nomeou as tecnologias de informação e comunicação como uma das principais potencialidades da economia Cabo-Verdiana. O Senhor foi apontado pelo Primeiro Ministro como CPA da empresa de bandeira no sector das TICs, a NOSI, e na sua toma de pose assinalou que a equipa da NOSI vai trabalhar para que o Núcleo Operacional da Sociedade de Informação se torne num centro de referência em África. Qual será a rota que espera seguir para cumprir com essas expectativas marcadas pelo Governo? Como vai a NOSI apoiar este novo Cabo Verde que o Governo quer mostrar nas páginas de HBR, como país que aposta pelas TICs como característica diferenciadora?

O NOSI começou de uma forma muito interessante, não se chamava NOSI na altura, chamava-se RAFE. Começou porque há 15 anos, o atual Primeiro Ministro era na altura Ministro das Finanças na altura e ele tinha consultores internacionais que o ajudavam a preparar os elementos do orçamento do Estado e um dos consultores ia saindo do país com a  base de dados debaixo do braço e foi preciso ir buscar essa base de dados já no. Por necessidade foi criado o RAFE recorrendo a alguns técnicos Cabo-Verdianos que trabalhavam em empresas internacionais e que vieram montar o programa de reforma para garantir esse desenvolvimento tecnológico que já começava na altura e foi a partir de ali que se iniciou todo este processo. Como? Introduzindo a tecnologia em todos os processos administrativos, recursos humanos da administração, base de dados, das finanças, judicial, de registo, de notariado, de saúde, de previdência e foi esse processo todo que levou ao NOSI a uma transformação completa do IGOV, do Sistema de Administração Pública.
O NOSI e O País foram distinguidos como vencedor da 3.ª edição do Prémio Africano de Inovação para o Sector Público (AAPSIA 2012), na categoria Inovação nos Sistemas e Processos governativos, com o SIGOF - Sistema Integrado de Gestão Orçamental e financeira.
Ainda estamos a meio caminho, temos muitos produtos a desenvolver ainda para facilitar o dia-a-dia do cidadão.

Gerimos neste momento uma rede privada do estado, onde cerca de quase 12 mil funcionários do estado colaboram entre si com ferramentas de produtividade. Todas estas ferramentas comunicam entre si numa rede segura que também está ligada a um serviço de telemóvel que se chama M-Konecta. Normalmente existe o terminal fixo ligado à rede e neste momento alguns dos nossos produtos estão a ser passados para o telemóvel para trazer mobilidade às pessoas e estas não fiquem sempre ligadas ao seu terminal.
O objectivo de tudo isto é servir o cidadão. Nós no NOSI, o nosso acionista é o Estado, mas para nós, o Estado é apenas um intermediário do cidadão e por isso o nosso acionista é o cidadão. E o cidadão é também o nosso cliente, ele é quem tem que estar satisfeito e nós queremos dar a possibilidade ao cidadão de usar todos os serviços do Estado.
As Instituições do Estado contratam o NOSI para desenhar produtos e serviços integrados e o cidadão passa ter acesso a todos os serviços da rede do estado num único sítio.
O NOSI desenvolve ferramentas customizadas a cada cliente (na sua maioria o Estado). A principal ferramenta do NOSI não é a tecnologia, o que nos diferencia é que nós conhecemos o Estado e as interligações que existem e são necessárias realizar para prestar um bom serviço. Quando alguma instituição do Estado nos pede algum serviço, o nosso analista já sabe e já conhece essa instituição e já sabe com o que interfere e vai buscar e congregar todas essas interferências com as outras entidades para prestar um serviço integrado.
Vou-lhe dar um exemplo; nós estamos a trabalhar no âmbito do MCA- Millenium Challenge Account, que nos contatou para desenvolver um produto LMTS que é a gestão do território em todas as suas vertentes. Há varias entidades que fazem gestão do território, existem as Câmaras Municipais, há o cidadão que precisa de registar o seu terreno, existem muitas entidades que prestam serviços ao cidadão baseado num sistema geográfico, então esse é o sistema que nós desenvolvemos onde nós vamos buscar especialistas para trabalhar connosco. Esse é que é o segredo do NOSI, não só a tecnologia mas o sistema integrado que é preciso conceber para resolver qualquer problema.


Dentro dos “Compromissos para a década” comprometidos pelo novo PM há vários objetivos económicos como colocar o país dentro do top 50 do ambiente de negócio (DBR) tendo como alvo principal a atração do investimento direto estrangeiro e a criação de empregos. Como remarcaram tanto o Primeiro Ministro como o Ministro de Economia e Emprego, a NOSI tem um papel chave para atingir esses objetivos já que é a empresa pública central na estratégia de e-Government e responsável de iniciativas como a “Platform for the Economic Operator´s Life Cycle” ou a “Empresa no Dia” . Pode nos explicar como funcionam essas iniciativas e a incidência que têm na melhora do ambiente de negócios em Cabo Verde?

Qualquer investidor estrangeiro ou nacional vai ao website  https://portondinosilhas.gov.cv/ empresa no dia e poderá tratar de todos os documentos para criar a sua empresa em um dia. Já foi feita a integração de todas as bases de dados necessárias para poder abrir uma empresa em um dia. Enquanto antes o empresário tinha que ir a vários sítios tratar de vários documentos, registo criminal, identificação, certidão de nascimento entre outras coisas em que tinha que deslocar-se a vários pontos para ir tratar delas ele agora vai ao website e consegue fazer num dia esta documentação toda. Um dos nossos objectivos é fazer a empresa em uma hora, acreditamos que se é possível fazer num dia também é possível fazer em uma hora. Estamos a trabalhar agora com o Ministério da Administração Interna num produto que já emite passaportes electrónicos, tudo desenvolvido pelo NOSI. Estamos em vias de emitir também cartões de identificação pessoal electrónicos. Com a integração de vários sistemas podemos fazer empresas em uma hora porque basicamente o que é necessário é verificar a identidade das pessoas, informações da empresa, verificar o capital e tudo isso pode ser feito em uma hora, não há razão para não melhorar o serviço que já temos. Isto é parte do trabalho continuo que o NOSI está a fazer. O NOSI pretende melhorar cada vez mais as suas plataformas já criadas. Atualmente Os investidores externos podem beneficiar-se de varias soluções e serviços integrados desenvolvidas pelos NOSI, como a janela única de investimento externo que permite aprovação de investimento de forma integrada e online, a obtenção de licenciamentos das atividades comercial, industrial, turístico em apenas 48 horas, a obtenção de título de exportação comercial online, efetuar registo de propriedade em apenas horas, fazer pagamentos de impostos online quer a nível municipal como da administração central. O nosso objetivo é transformar e simplificar o processo da administração pública, pondo o cidadão no centro das ações.


Agora que a NOSI irá ser privatizada e ter uma gestão de uma instituição mais de empresa, uma empresa internacional poderá ser cliente da NOSI e assim contratar os serviços da NOSI?

Que eu saiba, o NOSi não vai ser privatizado, foi transformado em empresa pública, ganhou autonomia financeira e patrimonial, mas o acionista continua sendo o estado. Eu vou-lhe dar um exemplo recente. Os dirigentes da Guiné Equatorial vieram visitar Cabo Verde e nós mostramos os serviços do NOSI nos vários Ministérios em Cabo Verde e o Governo da Guiné Equatorial contratou o NOSI e nós fomos lá e num tempo record construímos toda a rede de infraestruturas, construímos o data center, instalamos todos os aplicativos de produtividade, instalamos lá as ferramentas desenvolvidas pelo NOSI em vários ministérios, demos formação lá, trouxemos pessoal para formação, formamos programadores da Guiné Equatorial para continuarem a programar e a conceber as plataformas por eles próprios. Isto aconteceu à um ano e meio e após este trabalho em conjunto, Cabo Verde ficou com uma reputação bastante boa na Guiné Equatorial. Portanto nós avançamos com uma solução, formamos pessoas e depois deixamos os nossos clientes desenvolver e capacitarem-se por eles mesmo. Este é um caso de sucesso que deu nas vistas internacionalmente, tanto é que já recebemos cartas de governantes de outros países da região a pedir uma visita para consulta dos nossos serviços.
Em Moçambique já temos uma pequena colaboração, em São Tomé estamos a terminar outra e na Guiné Bissau também, para dar início à expansão e internacionalização do NOSI. Respondendo à sua questão, a NOSI está preparada e quer internacionalizar-se.


NOSI conta com vários parceiros nacionais e internacionais como Oracle, Microsoft ou HUAWEI. A NOSI está à procura de novos parceiros internacionais? Como se estabelecem estas parcerias com a NOSI?

A NOSI tem 3 sectores fundamentais; trabalha no desenvolvimento de aplicativos, garantia de segurança e manutenção da rede do Estado e faz a gestão do data center.

O NOSI é um gold partner da Oracle. Temos a parte do software que desenvolvemos baseado no PL SQL da Oracle e temos um Exadata da Oracle que nos permite trabalhar as bases de dados numa plataforma segura.

Sim nós somos parceiros do HUAWEI. A parceria com a HUAWEI começou dentro de um financiamento da China para um projeto chamado upgrade IGOV, cujo o objectivo como o próprio nome indica é o upgrade do IGOV. Neste projeto o HUAWEI   forneceu o equipamento da rede que  depois complementamos.

Somos parceiros da Microsoft e usamos os aplicativos de produtividade desta empresa em toda a rede do estado.

No data center temos uma gama grande de marcas reputadas e neste momento o modelo que temos não nos satisfaz pois é dependente  da prestação de serviços de manutenção. Queremos ir mais além, incorporar a formação nesta cadeia e prestar autonomia na assistência do equipamento que usamos


Para um país ganhar vantagens competitivas é básico se dotar duma educação de qualidade, onde as Tecnologias da Informação e Comunicação tem cada dia uma importância no acesso ao conhecimento e na criação de habilidades. Sendo a educação uma das áreas mais queridas pela audiência da Harvard Business Review, gostaria que nos explicara o papel da NOSI e programas do Governo como o “Mundo Novu” nesta área.

Temos um projeto que se chama Mundo Novo que o nosso objectivo conectar todas as escolas à rede do Estado, e como o nosso país é disperso, entre as ilhas nós usamos parte da fibra óptica da Operadora concessionária de telecomunicações. Colaboramos com essa operadora para aumentar a largura de banda dos cabos de fibra ótica de 0.6 Gbps para 20 Gps Segundo. Aumentamos a rede de banda de fibra óptica entre as ilhas que tornou mais fácil essa comunicação e esse é o projeto onde houve a colaboração da HUAWEI. Colocamos pontos conecta, em todas as escolas onde chegamos, para acesso gratuito dos estudantes à net.
Temos já desenvolvido uma ferramenta para a Educação, gestão escolar dos alunos, das faltas, das presenças, dos professore s, das salas, fazer essa gestão. Este é só um exemplo das parcerias que já temos e a forma como trabalhamos. Estamos obviamente abertos a outras novas parcerias.
Mas em tudo o que fizemos até aqui, temos sentido uma espécie de “dominação tecnológica” imposta por mercados mais desenvolvidos. Estes estão segmentados e as grandes marcas produtoras usam a competência de países periféricos para a montagem e assistência técnica. Não há espaço para países como Cabo Verde  e desta região africana senão para o uso e consumo da tecnologia, ficando completamente dependente de fornecedores.
Os sistemas de certificações e garantias estão desenhados para fazer perdurar esta dependência.
Cabo Verde e esta região Africana tem que reagir.
O maior projeto que o NOSi vai estar envolvido nos próximos 3 anos é a imobiliária tecnológica “Castelon Vale”, que engloba um Parque tecnológico como motor e uma vila tecnológica cujo desenvolvimento vai gerar recursos para manter o parque e criar sinergias técnicas para assistência técnica a todos os equipamentos instalados no parque ao mesmo tempo que incorpora um programa integrado de formação que começa desde jardins de infância virados para a tecnologia, escolas primárias e escolas secundárias vocacionadas para a formação tecnológica, incubadoras e centros de empresas.
Pretendemos que este projeto seja um gateway tecnológico para a Africa onde a capacidade formativa instalada possa garantir sustentabilidade dos investimentos IT nesta região Africana.
Pretendemos liderar um “movimento de libertação tecnológica” nesta região africana cujo objetivo é ganhar autonomia e sustentabilidade nas tecnologias que utilizamos e quebrar o ciclo da dependência em montagem e assistências técnicas.


Falando da educação, o Senhor tem uma trajetória muito amplia no mundo acadêmico como professor de universidade mas também no sector privado e como varias Ministro. Como o Senhor sabe, a audiência da HBR esta composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas praticas e casos de estudo: segundo o Senhor, quais são as características que fazem ao bom líder e gestor?

Motivação. O líder como se diz em Latim tem que “movere, educare”, motivar e só depois educar. Nas aulas que eu dou, se eu não puxar pela motivação dos alunos, eles não me dão atenção, eu tenho que arranjar maneira de motivar. Só depois de motivar eu consigo a atenção deles.
No caso da motivação em ambiente empresarial, ela nem é na sua maioria de salário, é essencialmente fazer com que as pessoas se sintam úteis, sentirem que as suas competências estão a ser usadas. O nível aqui é muito alto, temos 200 pessoas entre doutorados, mestrados e licenciados que trabalham no NOSI. Por isso fazer a gestão das pessoas tem que ser feita com transparência, eu sou mais um que trabalha aqui e todas as decisões tem que ser discutidas e percebidas por todos, se eles não conseguirem ver para onde vamos e se não se sentirem motivados para fazer a caminhada então o contributo vai ser diminuto, se eles tiverem motivados trabalharão 24 horas por dia, sem eu pedir, porque nu fundo estão a trabalhar para sua própria satisfação pessoal.


Para finalizar, qual é a mensagem que o Senhor queria transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação as TIC e as vantagens para os investimentos que supõem em Cabo Verde?

Daqui a três anos vamos inaugurar o parque tecnológico da Cidade da praia, são 50 hectares de terreno onde vamos ter condições de incubação, formação, lotes de terreno para empresas tecnológicas instalarem o parque, custos mais baixos, e queremos usar essa plataforma do parque tecnológico daqui a 3 anos, para poder transformar as vantagens comparativas de Cabo Verde em ganhos de desenvolvimento para o país. A mensagem é: participem, venham investir que o investimento aqui é seguro. Sejam nossos parceiros nesta caminhada de libertação tecnológica.