Cabo Verde: Interview with David J. Gomes

David J. Gomes

Presidente do Conselho de Administração da ANAC (Agência Nacional de Comunicações), Cabo Verde (ANAC (Agência Nacional de Comunicações))

2016-09-30
David J. Gomes

Uma das primeiras coisas que o investidor observa quando tem que decidir se investe ou não num país é a estabilidade política. Cabo Verde tem alternância dos partidos no governo, como aconteceu faz poucos meses, o que mostra força institucional. Tem um dos melhores resultados da África em liberdade de imprensa, em percepção da corrupção e em qualidade democrática segundo Freedom House, Tansparency Internacional e The Economist Intelligence Unit respetivamente. Além da já comentada estabilidade política, quais são as vantagens que o país tem comparado com outras economias regionais?


Cabo Verde, além de ter a estabilidade política, com uma transição democrática pacífica também tem uma posição geoestratégica importante. O país está dentro do continente africano, sendo membro da CEDEAO [Comunidade Económicas dos Estados da África Ocidental]. Do outro lado do Atlântico encontra-se o Brasil e a Europa a apenas 1.500 km, com quem tem mais afinidade e relação comercial. Graças a essa localização, nós podemos ser um hub comercial, de tráfico aéreo e marítimo, de telecomunicações e a nossa estabilidade é garantia ao investimento.

Nós podemos aproveitar a própria competência das pessoas. com um alto nível de formação e alto grau de aprendizagem o que explica a presença de cabo-verdianos em muitos países.

A nossa herança, multicultural, multirracial, dá-nos a vantagem do diálogo e mediação rápida com o Brasil, com EUA, com a Europa e a África. Historicamente herdamos essa habilidade de Portugal na era colonial pelo que não é de agora que os cabo-verdianos serviram de intermediário e de mediador. Antes da independência, os cabo-verdianos desempenhavam uma série de funções administrativas em outras colónias portuguesas e herdamos essa tradição de fazer negócios, de ser mediadores e consultores.
Brasil tem tecnologia e pode aproximar-se do mercado do continente africano através de Cabo Verde, e o inverso também se pode verificar. As empresas construtores portuguesas que vieram cá fazer obras fizeram contacto com parceiros vindos da África. Atualmente nós não temos mercado para vender tanto serviço e o sucesso de Cabo Verde não está no país senão em Portugal, nos EUA, e no continente africano, onde encontramos o nosso mercado.
As empresas aqui são de dimensão pequena o que aumenta o custo das empresas no melhoramento dos aparelhos de telecomunicações, num centro de comunicação wireless e na tecnologia 3G, 4G.
Temos que pensar numa estratégia de trazer aqui parceiros e mostrar a praticamente todos os vizinhos da África, nomeadamente dos PALOP [Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa], que se chegarem aqui, qualquer empresa consegue ter um acesso muito mais facilitado.


A ANAC é uma entidade autónoma cuja missão é a regulação técnica e económica, supervisão, regulamentação e representação do sector das comunicações, telecomunicações e postais, a gestão e controlo do espectro radioeléctrico, a gestão do domínio “.cv”, ou a certificação de entidades credenciadas de assinaturas digitais. Também a proteção ao consumidor e promoção da concorrência. Poderia nos falar mais destas funções e de como se organiza em termos de estrutura e recursos para ter sucesso nesta missão?


Cabo Verde precisa trabalhar muito para fazer uma transição à economia digital, que é parte do sector que regulamos, porque nós temos uma economia tradicional e analógica. Para fazer uma economia puramente digital todos os serviços e a sociedade terão de ter rede, senão, em questão de segundos ou micro segundos perdem negócio. Nós criamos as condições para fomentar o desenvolvimento dessas infraestruturas. O governo é que tem que criar essas infraestruturas.

Para fazer isso, nós propomos é ter recursos modernos de Santo Antão à Brava, e em todos os bairros ter essa infraestrutura de ponta. Por isso nós estamos a construir tudo em banda larga e temos agora uma nova lei que a partir de 2017, qualquer casa nova a ser construída, já terá que suportar a banda larga (ou seja, ADSL ou fibra). Por outro lado teremos que ter políticas de acessibilidade, para ter mais pessoas conectadas a começar a entrar na economia digital. Infelizmente, nós temos uma economia muito dependente da administração pública. Nós regulamos e ao mesmo tempo assessoramos o governo na política de acessibilidade para ter mais cabo-verdianos conectados.

O que a ANAC precisa fazer é regular os operadores para permitir ter serviço de qualidade a um preço razoável. Também agimos numa outra área que é a segurança e o combate à ciber-criminalidade, a proteção das empresas e consumidores online.

Temos gestão do domínio .cv. O que a ANAC quer fazer aqui é tentar convencer à sociedade que efetivamente tem que sair do modelo tradicional e ir para um modelo puramente digital. Nós queremos ver um cliente que precisa de um barbeiro poder aceder à base de dados e conseguir a sua marcação online, escolher o corte ou cabeleireiro através do seu smartphone.
O problema é a resistência que qualquer ser humano tem em acompanhar o que é novo. Os mais jovens já implementaram, mas há empresas ainda um pouco resistentes a essas mudanças. A cultura tem que mudar em Cabo Verde, senão todo o investimento que estamos a fazer em boas infraestruturas e boa administração pública, com os melhores softwares, aplicações etc será em vão. Nós não temos uma estratégia de webização das nossas empresas. As nossas empresas devem sair desse mundo analógico e ir para a web. Temos de incutir essa visão na nova geração.

A ANAC está ao cargo da assinatura digital, o cartão do cidadão, o passaporte electrónico e o conceito de governação electrónica. Temos uma economia informal forte que o Banco Central cifrou em 15% do PIB. Mas, por quê? Porque os processos não estão digitalizados e a ANAC tem que exercer a sua função para poder melhorar nessa área.
Nós queremos que o Primeiro Ministro ou um Ministro esteja onde estiver possa tomar a decisão online. Trabalhar hoje não é só trabalhar 8 horas mas, no momento em que aparecer aquela oportunidade, responder. Quando tudo está digitalizado, o tribunal, o juiz, o advogado, em segundos pode tomar uma decisão, mas isso ai ainda está longe de funcionar assim.

Também no que toca ás licenças, estamos a trabalhar agora no processo de 4G. Estamos a pensar que no próximo ano já podemos finalizar o processo de introdução da tecnologia. Estamos agora no processo de transição entre televisão analógica para digital: Santiago, Maio, São Vicente e Sal já estarão conectados no final deste ano. A nossa estratégia é de introdução tecnológica.


Poderia caracterizar os sectores da sua responsabilidade em termos de concorrência?


Em Cabo Verde temos um grupo que é a Cabo Verde Telecom, que tem 3 operadoras: temos a própria CV Telecom, a CV Multimédia, que presta serviços de internet, fixos e de televisão; e temos a CV Móvel que faz serviços de internet, voz e dados.
Por último temos uma segunda operadora que é a Unitel T+.
O governo está praticamente a sair do sector e temos duas operadoras fortes que são privadas. A Administração Pública tem um papel forte aqui em Cabo Verde, porque o modelo ainda é o tradicional, não digital. O governo tem investido muito nesses últimos 15 anos em plataformas digitais, numa governação electrónica integrada pelo que já arrumou muito bem a casa, agora falta o lado mais importante, quer as empresas quer os cidadãos têm de ver como tirar proveito.


Nós estamos a obrigar agora qualquer ator que entrar no mercado a investir de Santo Antão à Brava. O investidor vem e diz: “você tem 120% de taxa de penetração, as operadoras já estão em todas as ilhas. Você acha que eu vou investir? Não, não quero”. Mas se temos uma rede já instalada e operada por vários atores a concorrência é no input e no output. É um modelo que a tendência mundial não justifica as operadoras virem cá. Temos de divorciar desse modelo, sair e ir para outro porque este modelo já não serve em lugar nenhum.


Os dados relativos à penetração das tecnologias que ficam no sector da sua responsabilidade são dos melhores em termos regionais com uma penetração de móvel de 114%, 59% falando da internet ou 11% de telefone fixo que permanece estável. Como tem sido essa evolução nas tendências e quais são as projeções de futuro?


Já estamos numa taxa de penetração do serviço móvel de, aproximadamente, 120% de cabo-verdianos que já têm acesso ao 3G (neste aspeto estamos em 3º lugar a nível do continente). O acesso á internet ultrapassa os 60% e todas as ilhas já têm internet por fibra ótica o que permite com que em qualquer ilha, jovens que tenham uma iniciativa poderão empreender em nome de Cabo Verde.
A tendência é a aumentar. É bom ver jovens de uma zona que por vezes nem têm energia e têm de andar quilómetros só para carregar o telemóvel, ter rede e comunicações móveis.

A nossa estratégia é não cobrar aos investidores a licença. Nós dizemos vocês venham, invistam; não pagam com dinheiro, mas pagam com serviços. A taxa de penetração do 3G em Cabo Verde ultrapassa a da África porque não cobramos pela licença.
Nós temos um plano de desenvolvimento de informação para subsidiar o terminal para ter como resultado comunicações mais baratas e maior penetração.


Dentro do campo que abrange o seu sector, e dado que há garantia de concorrência, o Senhor acha que há lugar para a entrada de novos concorrentes e investidores estrangeiros no mercado? Onde estariam essas oportunidades abertas?


Em termos de serviço sim há mais espaço para investimentos, há muitas oportunidades.
Em termos de infraestruturas temos uma que é boa, não precisa estar a ser multiplicada.

Quando estamos a falar da economia digital não é só as empresas que querem investir aqui. Investir aqui e investir lá fora. É uma vantagem para o investidor quando vem cá: pode investir aqui, mas também pode investir no mercado lá fora que, dependendo do grau de inovação que fizer, pode ser acessível em outros mercados como Portugal, os EUA, na França ou na Espanha: o mercado da diáspora é de 1 milhão, quase 2 milhões de pessoas.


Como o Senhor sabe, a audiência da HBR é composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas praticas de gestão. O Sr. David tem experiência na gestão do Estado, de empresa e também na política: segundo o Senhor, quais são as características que fazem ao bom líder e gestor?


O importante é ser inovador. Eu não sou músico, mas as vezes não é preciso comprar um piano muito novo para inovar. Se eu quero inovar, com o mesmo piano consigo fazer isso.
Na gestão nós entendemos que ao não cobrar uma licença, por exemplo, estamos a inovar.
É preciso ter essa visão global e integrada e acompanhar essa agenda global. Porque a agenda global é digital e nós não podemos estar a fugir em termos de tendência. Cada dia estamos a ficar mais para traz, estamos a perder. É preciso ver que, sobretudo, as telecomunicações são transversais e é preciso sempre adaptar-nos ás novas tecnologias.

É preciso não ter medo de arriscar. Quem não arrisca não petisca. Tudo o que faz tem o seu risco. Pode ultrapassar, pode ter sucesso e também insucesso, mas é preciso saber gerir o risco. Ter uma visão integrada, ter uma visão global, mas não ter medo.


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.