Cabo Verde: Interview with Jorge Spencer Lima

Jorge Spencer Lima

Presidente da Câmara de Comercio, Indústria e Serviços de Sotavento, Cabo Verde (Câmara de Comercio, Indústria e Serviços de Sotavento)

2016-09-23
Jorge Spencer Lima

Uma das primeiras coisas que o investidor procura quando tem que decidir se investe ou não num país é a estabilidade política. Cabo Verde tem alternância dos partidos no governo com normalidade, como aconteceu nas últimas eleições, o que mostra força institucional, e um dos melhores resultados da África em liberdade de imprensa, em corrupção e em qualidade democrática segundo Freedom House, Tansparency Internacional e The Economist Intelligence Unit respetivamente. Além da já comentada estabilidade política, quais são as vantagens que o país tem comparado com outras economias regionais?


As pessoas procuram é exatamente isso, a estabilidade de um país já que ninguém faz investimentos em países instáveis. Mas também procura-se estabilidade em termos da segurança do investimento e da credibilidade das instituições, e aqui o sistema judiciário tem um papel fundamental. O sistema judiciário tem que ser independente do governo e sobretudo não corruptível.
Há outro aspeto vital que é encontrar uma mão-de-obra capaz, com um certo nível de educação que serve sobretudo para reduzir os custos. Portanto, em vez de trazer mão-de-obra expatriada para produção, vai encontrar mão-de-obra cabo-verdiana com a capacidade de aprendizagem para executar as novas tecnologias.
A grosso modo são esses parâmetros primários que os investidores procuram para fazerem o investimento junto com o tamanho do mercado que, infelizmente, no caso cabo-verdiano, é reduzido. É um mercado de 500 mil pessoas, divididas em 10 ilhas, portanto muito fragmentado. A grande vantagem de Cabo Verde é a sua pertinência a um mercado regional que é a CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental], de 300 milhões de pessoas. Produzindo em Cabo Verde um produto standard, este pode seguir sem pagar direitos nem franquia e exportar para os quinze países da CEDEO (neste momento, com exceção da Mauritânia).


Porém, atualmente as exportações de Cabo Verde são, na sua grandíssima maioria, viradas para Europa, Espanha e Portugal nomeadamente. O Senhor acha que tem que ser feito um esforço para que estas exportações sejam mais orientada para a CEDEAO?


O problema que se põe relativamente ao mercado da CEDEAO é a não existência de ligações marítimas regulares. Não se pode importar ou exportar sem barco. Há alguma coisa que é feita através da via aérea, mas é uma carga marginal de produtos perecíveis do mar que vêm sobretudo da Guiné-Bissau e do Senegal.
Neste momento existem duas iniciativas para resolver o problema da ligação marítima. Há um projeto da própria CEDEAO com as câmaras de comércio da CEDEAO que procura ligar os países da Comunidade e que contamos que no próximo ano seja uma realidade. Os governos de Cabo Verde e Senegal estão a tentar procurar soluções para resolver o problema da relação marítima. Neste momento uma empresa já foi contratada pela cooperação holandesa para fazer o estudo de viabilidade da linha marítima entre os dois países. Muito brevemente os estudos devem sair para dar as devidas diretrizes.

Portanto, nós contamos que no princípio do próximo ano a questão da ligação marítima seja resolvida. É o principal empecilho ao relacionamento entre Cabo Verde e os outros países da CEDEAO.
Alguns produtos do Senegal já entram em Cabo Verde, no quadro da CEDEAO, sem pagar direitos. Neste momento estamos a quer é equilibrar, exportar, e a ideia é criar um tecido empresarial mais forte e consistente que possa produzir não só para o mercado interno, mas para exportar para os países da CEDEAO.


O MpD ganhou as passadas eleições de 2016 com maioria absoluta com um programa chamado “Compromissos para a década” que inclui vários objetivos económicos, depois incluídos no Programa de Governo, como colocar o país dentro do top 50 do Doing Business Report (DBR) tendo como alvo principal a atracão do investimento direto estrangeiro e a criação de empregos. Qual é a visão da Câmara sobre esses objetivos marcados? quais são os obstáculos contras os que o Governo deve lutar para facilitar a criação e o sucesso das empresas em Cabo Verde?


Os principais empecilhos vem da mentalidade da função pública que bloqueia o negócio e que tem estado a impedir que Cabo Verde se afirme como um país de “doing business”.
A primeira questão é com a administração fiscal. Devemos fazer uma reforma fiscal. O governo anterior tentou fazer uma reforma fiscal nas costas dos empresários, sem ouvir, sem escutar ninguém. O resultado é que há uma grande rejeição da reforma fiscal porque não ouviu. Nós esperamos que o principal trunfo do novo governo do MpD seja o diálogo. Já tivemos oportunidade de dizer isso ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Ministro das Finanças. Ou haverá diálogo com o sector privado para que possa haver avanços e ganhos ou vai-se fazer a mesma coisa que com o governo anterior e não vai haver soluções para os problemas do país.


Como agora manifestou, o Senhor lamentou várias vezes a falta de diálogo entre os empresários e o Governo como um dos erros do executivo precedente. Pelas conversas que já teve com os governantes atuais, tem melhorado a situação com o novo Governo da SE o Senhor Correia e Silva? Quais são as relações atuais entre os empresários e o Governo?


Sim o diálogo tem melhorado, mas ainda não vimos efeitos práticos disso.
Nós pensamos que sim, a situação vai melhorar. Conheço bem o Sr. Ministro das Finanças quem é uma pessoa de diálogo, contrariamente ao anterior. E nós esperamos que esse diálogo prevaleça para que o governo possa melhorar o ambiente de negócios e que Cabo Verde possa subir no ranking do Doing Business Report.

Algumas ações tímidas foram feitas mas sem efeito prático. Por exemplo as Leis das Pequenas e Médias Empresas. Foi uma boa iniciativa mas em termos práticos não está a dar resultado que se queria.
O novo governo deve retomar o que está certo e corrigir o que está errado. Tem é que ter a capacidade de analisar as coisas. O que está bem feito, vamos imaginar de que forma poder agir para obter os efeitos que se quer na economia. O que está mal feito, vamos mudá-lo. O governo tem que saber analisar, ouvir e dialogar. Isso que nós estamos a negociar com o Ministério da Economia e Emprego. Estamos a preparar uma cimeira entre o governo e o sector privado onde esperamos que todos os temas possam ser postos em cima da mesa.
Mas uma coisa é certa, sem a participação do sector privado, não há melhoria do ambiente de negócios.

 

Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva nomeou vários sectores prioritários como as tecnologias de informação e comunicação, o turismo, as energias renováveis e o sector aéreo e logístico como principais potencialidades da economia cabo-verdiana para se tornar um referente em África. Concorda a CCISS com essa visão? Como vão acompanhar os empresários este novo Cabo Verde que queremos mostrar nesta reportagem?


Há coisas boas e coisas más. Por exemplo, no caso das energias renováveis, há muita conversa, mas depois não se materializa em termos práticos. Existe interesse do sector privado nesta área, mas é preciso que as condições sejam criadas para que isso funcione. O Estado diz que em 2020 funcionaremos com 100% de energias renováveis. Neste momento estamos ao redor de 20% realmente e não vamos chegar a esse objetivo tal e como o sistema está voltado. Nós acreditamos que é um sector do futuro e que a aposta do Estado nas energias renováveis está bem-feita, mas o que é preciso é orientá-la de forma correta e determinar as medidas que devem ser tomadas para criar condições para que o sector privado também possa entrar nessa área.
Neste momento há uma empresa pública no sector da energia, a Electra, que é jogador e arbitro. Portanto, os privados podem investir nas energias renováveis, mas como a Electra é produtor e distribuidor, dificulta o sector privado na venda da energia. O que nós estamos a propôr ao governo é dividir e criar uma empresa de distribuição e uma empresa de produção, pudendo ser públicas. Nós todos produzimos, nós todos vendemos em igualdade de circunstâncias, porque neste momento o Estado é o maior concorrente do sector privado na questão da produção de energia porque produz e distribui. Quando produz a preços mais elevados que os privados, não os deixa entrar na rede de distribuição, pondo todo tipo de impedimentos, porque está a defender os seus interesses de produtor.

Não é preciso que o Estado venha dizer que o turismo é um dos sectores de desenvolvimento, porque o turismo impõem-se por si só. Já corresponde ao 24% do PIB neste momento, é o maior sector de empregabilidade com grande poder de atração de investimentos.
É um sector que desenvolve-se por si só graças as características e localização de Cabo Verde e também impulsionado por as crises de outros países (o caso da Grécia, o caso do Egito e, recentemente, o caso da Turquia).
Neste momento os nossos hotéis estão a funcionar a 90-95% e é preciso que haja investimento para alargar a capacidade receptiva do país.

Temos a questão do cluster aéreo que neste momento não tem condições para se desenvolver porque: 1) faltou uma política clara nesta área; 2) deixou-se que a TACV [Transportes Aéreos de Cabo Verde] fizesse a política aérea e deixou-se a TACV derrapar até o ponto que neste momento é uma companhia pública inviável. E não se faz cluster aéreo sem aviões.
Um cluster teria de ser um ponto que recebe e manda e tem de mandar para algum lugar. África tinha de ser um ponto fundamental, mas a TACV por um vôo de duas horas Praia-Dakar-Praia cobra 800 $ e para um vôo Recife-Praia-Lisboa, de 9 horas, cobra 450 $. Temos que assumir a África Ocidental como um destino: trazer da Europa e levar para a África Ocidental.


Segundo a conversa que mantivemos com SE o Ministro de Economia e Emprego, o Governo tem planos para continuar o processo de privatização do sector empresarial do Estado, começando com a TACV [Transportes Aéreos de Cabo Verde], empresa onde o Senhor teve responsabilidades de direção no passado. Em que sectores o Senhor vê as melhores oportunidades para o investidor estrangeiro ou nacional?


O governo já não tem muito onde privatizar. Ficaram os portos, e existe uma negociação há já algum tempo para privatizá-los, os aeroportos, e a TACV; não muito mais. Neste momento, a oportunidade mais viável para privatizar é a CV Handling, que foi comprada por parte da ASA (Aeroportos e Segurança Aérea). Esse é um sector extremamente rentável, que se privatizar vai obter valores com certeza.


Como já falamos, dentro dos Compromissos para a Década com os que o MpD ganhou as eleições, a atração do investimento estrangeiro figura como um dos desafios do país. Para seduzir a comunidade investidora as bases económicas fortes são essenciais mas também o é a confiança e a imagem internacional do pais. O Senhor tem uma experiência internacional e global tendo sido Embaixador em vários países. Qual é a imagem que o Senhor acha que a comunidade internacional tem de Cabo Verde e qual é imagem que o Senhor gostaria que a comunidade internacional tivesse?


Neste momento o sector do turismo, é o sector que pode trazer desenvolvimento. Mas é preciso que tenhamos um organismo, que é a Cabo Verde TradeInvest [a antiga Cabo Verde Investimentos], que seja responsável pela atração dos investimentos externos e de mostrar essa imagem e essa marca país do que o senhor fala para encorajar os investimentos. É um organismo fundamental mas está a passar por continuar mudanças de estrutura e funcionamento da parte do governo precedente e do atual dando como resultado um certo clima de instabilidade o que não ajuda a questão do investimento. É fundamental, que haja estabilidade e que a Cabo Verde TradeInvest faça o seu papel.

O governo anterior fez uma política muito forte na área do comércio, criando mecanismos e clarificando a legislação e os processos. Mas falta fazer esse processo na área de indústria. Nenhum país vive e sobrevive só a importar porque é preciso ter divisas. Atualmente nós temos mais de 6 meses de reserva das importações em divisas mas, se as medidas não forem tomadas, haverá um deterioro e pode haver um momento onde vamos ter problemas de pagar essas importações. Por quê? Porque antes tínhamos várias fontes de receita e divisas que eram as remessas dos imigrantes e a ajuda pública ao desenvolvimento (com acesso ao mercado de capital com empréstimos preferenciais). Com a graduação de Cabo Verde do grupo dos Países Menos Avançados para País de Rendimento Médio em 2008, a ajuda pública ao desenvolvimento diminuiu. Mesmo com toda a instabilidade dos principais países da nossa emigração, com a crise mundial, as próprias remessas dos nossos imigrantes reduziu.

Portanto, se nós não encontramos fontes alternativas de entrada de capital e divisas, vai chegar um dia que vai arrebentar. O que nós temos estado a dizer ao governo, é que o turismo por si só não vai resolver esses problemas, porque a grosso modo, o turismo são pacotes que são pagos lá fora e as divisas não vem para Cabo Verde. Por isso, temos de alavancar o sector de investimento, é o sector industrial e temos que investir, nas pequenas e médias indústrias. Assim, poderemos conter o fluxo de importação com uma produção interna que reduza as importações e poderemos exportar para a CEDEAO e trazer receitas para equilibrar o sistema.


Como o Senhor sabe, a audiência da HBR esta composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas boas práticas e casos de estudo. O Senhor tem uma experiência internacional e global no sentido que o Senhor trabalhou na gestão do público, tendo sido Embaixador em vários países, e no privado com as empresas que dirige e nas que participa além das responsabilidades na frente da CCISS: segundo o Senhor, quais são as características que fazem um bom líder e gestor?


Um bom líder e gestor tem que acreditar no que está a fazer.
Tem que ser capaz de rodear de colaboradores que também acreditam e saibam o que fazer, porque gerir é um desafio diário e muitas vezes é preciso delegar.
Tem que ser capaz de prever os acontecimentos. O fundamental não é o dia-a-dia, mas o amanhã. A capacidade de projetar a sua empresa no amanhã muitas vezes faz a diferença.
Mas, sobretudo, é preciso saber cuidar das pessoas. No dia-a-dia, tem de levar em conta as pessoas e não se consegue desenvolver as empresas maltratando as pessoas. Os trabalhadores têm que sentir este ambiente para trabalhar com satisfação. Porque trabalhando com satisfação, produzem mais e, produzindo mais, a empresa ganha mais.


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.