Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Arlindo do Rosário

Sua Excelência Arlindo do Rosário

Ministro da Saúde e Segurança Social, Cabo Verde (Ministério da Saúde e Segurança Social)

2016-09-27
Sua Excelência Arlindo do Rosário

Uma das primeiras coisas que o investidor procura quando tem que decidir se investe ou não num país é a estabilidade política. Cabo Verde tem também alternância dos partidos no governo o que mostra força institucional, e um dos melhores resultados da África em liberdade de imprensa, em percepção da corrupção e em qualidade democrática segundo o Freedom House, Tansparency Internacional e The Economist Intelligence Unit, respetivamente. Qual é o segredo de Cabo Verde para manter esse nível de qualidade e estabilidade democrática?


Penso que vem da própria forma de ser do cabo-verdiano. É um povo que sempre cultivou o respeito pelas instituições, a tolerância e a cidadania. O país, confrontado com a escassez de recursos materiais, investiu muito no seu capital humano, na formação de quadros e na sua identidade cultural. Na sua génese que integra elementos de cultura europeia e africana, o cabo-verdiano incorporou uma forma quase transcendental de encarar o mundo, sendo um povo aberto, tolerante e que procura a cada dia superar-se.
Isso explica porque a transição de sistema de partido único para a democracia multipartidária em 1991 tenha sido pacífica. Os valores de liberdade, de tolerância, são muito caros aos cabo-verdianos. E naturalmente o regime democrático, do pluripartidarismo, do equilíbrio de poderes é sistema que melhor assenta nessa forma de ser e estar do cabo-verdiano. De momento estamos a sair de eleições legislativas e autárquicas, e vamos entrar noutras, as presidenciais, de forma igualmente tranquila.


O seu Governo, formado na sua maioria por ministros do partido Movimento para a Democracia (MpD), assumiu as suas responsabilidades em Abril 2016 depois de quinze anos na oposição. Quais são os desafios gerais que Cabo Verde tem no futuro mais próximo?


Nos últimos quinze anos tivemos um governo que priorizou o sector público, tornando o Estado gordo e pouco eficiente. O maior empregador em Cabo Verde continua a ser o Estado o que, de certa forma, diminuiu as capacidades de desenvolvimento do sector privado que no nosso entender pode ser um complemento importante ao desenvolvimento e crescimento económico do país.

Nós vamos fazer uma política de não descurar as obrigações constitucionais do Estado, nomeadamente nas áreas sociais. Nós somos um país arquipelágico, com assimetrias importantes entre as ilhas. Queremos que Cabo Verde se desenvolva de forma muito mais harmoniosa. Deve-se criar em cada ilha, um ambiente que permita potencializar as dinâmicas do setor público e privado.


Um dos objetivos dos Compromissos para a Década do MpD é a colocação de Cabo Verde na lista dos dez pequenos países insulares pelo Índice de Desenvolvimento Humano, do qual a saúde é um dos três componentes, com uma meta concreta como é garantir uma taxa de mortalidade infantil inferior a 13 por mil, através da melhoria do acesso à saúde e à saúde materno-infantil. 
Qual é o ponto de partida atual nessas variáveis e qual é o roteiro e medidas que o Governo implementará para satisfazer estes compromissos?


Há todo um caminho rumo ao desenvolvimento sustentável que continua a ser construído sem que seja interrompido ou alterado em função das alternâncias em termos de governação do País. Os objetivos de redução das mortalidades infantil e materna, da luta contra as doenças transmissíveis, principalmente as transmissíveis por vetores como o do paludismo, estão claramente definidos.

Há uma diferença nos indicadores de mortalidade e de cobertura de ilha para ilha, e queremos trabalhar por forma a diminuir essas assimetrias.
A nossa mortalidade infantil é principalmente perinatal. Se nós melhorarmos a atenção à mãe, ao parto e ao recém-nascido através da formação e da capacitação dos profissionais de saúde, poderemos atingir esse objetivo pretendido.


Faz alguns dias, O Senhor Ministro presentou a campanha nacional contra as doenças transmitidas por mosquitos junto com o Ministro de Agricultura e Ambiente e SE o Senhor Primeiro Ministro que declarou que estas doenças são “uma ameaça à qualidade de vida das pessoas e à economia do país". Além desse tipo de doenças, quais são os desafios sanitários aos que se enfrenta o país e quais as medidas que o Governo esta a implementar para superá-los?


Já tivemos uma grande epidemia de dengue em Cabo Verde. Foi uma epidemia que deixou marcas porque houve mortes por casos de febres hemorrágicas. Estamos a ter agora essa epidemia de zika, que é causado pelo mesmo vetor, o Aedes aegypti, que também causa a chikungunia e a febre-amarela. O paludismo, pelo contrário, encontra-se já numa fase de pré-eliminação.
Há casos resultantes da nossa estreita ligação com países onde há maior incidência dessas doenças: Brasil com dengue e zika; Angola com febre-amarela. Com a dengue houve uma resposta relativamente rápida, porque houve mortes. Para o zika não tão rápida, porque não existe a perceção social das complicações que poderá provocar nos recém-nascidos, como por exemplo, a microcefalia. Estamos a trabalhar com muito empenho as vertentes informação, educação e comunicação.

Antigamente fazia-se uma campanha de limpeza e mobilização nacional que durava um dia. O que nós fizemos com o Sr. Primeiro Ministro foi o lançamento de uma campanha mais duradoura, sobretudo neste período de maior risco que é a época das chuvas, em que em cada município haverá promoção de ações continuadas. Temos notado que há uma adesão muito forte da sociedade civil. Reforçamos o serviço de vigilância e resposta as epidemias, capacitamos melhor os laboratórios de virologia e de entomologia e estamos a trabalhar no sistema de informação sanitária. Relativamente a atual epidemia de zika, foram já notificados cerca de 7000 casos, mas há já algum tempo que não temos registo de novos casos confirmados. De acordo com a OMS [Organização Mundial da Saúde] a epidemia poderá durar de 3 a 4 anos, mas quer a OMS quer a UNICEF, têm visto com bons olhos, o esforço nacional na luta anti vetorial.

Cabo Verde está numa fase em que as doenças transmissíveis estão a diminuir e a carga das doenças crônicas como a diabetes, hipertensão, doenças renais, tem vindo a aumentar, doenças que acabam por ter um peso maior, não só social como económico porque precisam de ter um acompanhamento diário e prolongado. O duplo fardo de doenças transmissíveis e não transmissíveis coloca o sistema de saúde sob pressão no que toca a sustentabilidade e a cobertura universal e equitativa.


A componente arquipelágica é um desafio para o país que obriga ao Estado a investir mais em infraestruturas de saúde para aproximar o serviço ao cidadão. Quais são as infraestruturas de saúde com as que conta o país em cada ilha e como o Governo vai trabalhar para que todos os cabo-verdianos disfrutem do mesmo serviço sem importar a ilha?


Neste momento nós temos uma rede de estruturas de saúde com dois Hospitais Centrais, que são o Hospital Agostinho Neto na Cidade da Praia- ilha de Santiago, e o Hospital Baptista de Sousa em Mindelo-São Vicente. O Hospital de São Vicente é o hospital de referência para muitas situações mais complexas para as ilhas mais ao Norte: Santo Antão, São Nicolau, Sal e Boa Vista. O Hospital Agostinho Neto é uma referência para as outras ilhas: Fogo, Maio, Brava.

Temos também, a um nível secundário os Hospitais Regionais: em Santo Antão, na região norte de Santiago, no Fogo e no Sal. São hospitais regionais que dão resposta em termos de média complexidade na área cirúrgica, pediatria, ortopedia ou oftalmologia.

A um nível um pouco mais a baixo temos os Centros de Saúde.
Temos muitas localidades, as vezes isoladas, onde colocamos Postos Sanitários e unidades sanitárias de base.
Temos tido algum ganho em recursos humanos tais como médicos, enfermeiros, entre outros, mas registamos um deficit nesse domínio para além de debatermos com uma desigual distribuição desses recursos pelas diferentes ilhas.

Temos também um grande problema para o setor da saúde, que é a questão das evacuações. Cabo Verde, como país arquipelágico que é, com problemas de transporte, essa questão tem de ser bem equacionada. As nossas evacuações são feitas mais por via aérea, como por exemplo as evacuações vindas do Sal, Boa Vista ou do Maio. Entre Santo Antão e São Vicente, que são duas ilhas vizinhas, é por via marítima. O caminho é procurar encontrar soluções dotando os Hospitais Regionais de capacidade de resposta por forma a diminuir, ou otimizar as evacuações. Estamos também a capacitar os recursos humanos em telemedicina e hoje todas as ilhas já estão ligadas através de um serviço de telemedicina. Através de orientações médicas uma situação clinica passível de evacuação, pode ser resolvida localmente.
Depois, temos o problema das evacuações externas, sobretudo para Portugal, que é um país de referência. Há um acordo de cooperação que vem desde a independência para áreas como oncologia, insuficiência renal ou neurologia pelo qual os doentes são evacuados para Portugal. Depois da instalação do centro de hemodiálise aqui em Cabo Verde, o objetivo é que os nossos doentes que estão lá possam regressar e ser tratados aqui em Cabo Verde.


Cabo Verde é um dos países africanos mais avançados no estabelecimento de Proteção Social. O país está fortemente empenhado, em atingir a cobertura universal da segurança social através de uma combinação da extensão gradual da segurança social contributiva (a cargo do INPS) com a provisão de prestações de base não contributivas (a cargo do CNPS). Poderia nos explicar brevemente como funciona o sistema de segurança social em Cabo Verde e as suas características em termos de cobertura e situações cobertas?


Neste momento 38% da população ativa está coberta pelo sistema de segurança social obrigatório. Nós queremos alargar e aumentar essa cobertura, incluindo trabalhadores que estão no sistema informal, trabalhadores por conta própria, em pequenos negócios, para ter o maior número possível de pessoas para o sistema de segurança social obrigatório.

Um outro componente é garantir a sustentabilidade do sistema e do fundo das pensões. Nós estamos numa fase interessante, porque a maior parte da nossa população é jovem e temos o chamado bónus demográfico, mas é algo que teremos de trabalhar porque em alguns anos esta população estará envelhecida. Creio que tem de haver uma boa interligação entre a segurança social e o trabalho. A segurança social vai também depender daquilo que o país conseguir fazer na área de economia, de desenvolvimento e do emprego. Mas estamos ligados também com a proteção social. Estamos a trabalhar com o Ministério do Trabalho para estabelecer um subsídio de desemprego que já foi implementado com alguns ajustes a serem feitos.


Para finalizar, qual é a mensagem que o Senhor quer transmitir aos potenciais leitores e investidores em relação a Cabo Verde?


Cabo Verde é um país que tem conseguido com algum sucesso ultrapassar desafios importantes ao seu desenvolvimento, apesar da escassez de recursos naturais. Temos no capital humano, nossa principal riqueza. Somos um povo que sabe receber e cultivamos muito aquilo que chamamos morabeza em crioulo cabo-verdiano.
Cabo Verde é um país bonito, constituído por ilhas, cada uma, com enorme potencial turístico. A nossa visão é um dia poder ter em Cabo Verde um verdadeiro turismo de saúde. É preciso criar os meios para que esses investidores na área de saúde possam se estabelecer no nosso país e crescer connosco.


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.