Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Gilberto Correia e Silva

Sua Excelência Gilberto Correia e Silva

Ministro da Agricultura e Ambiente de Cabo Verde (Ministério da Agricultura e Ambiente)

2016-10-31
Sua Excelência Gilberto Correia e Silva

O seu Governo, formado na sua maioria por ministros do partido Movimento para a Democracia (MpD), assumiu as suas responsabilidades em Abril 2016, depois de 15 anos na oposição. Quais são os desafios económicos, sociais e ambientais que Cabo Verde tem no futuro mais próximo?

 


O grande desafio é efetivamente resolver os problemas que afetam os cabo-verdianos como o emprego, questões ligadas à segurança, os desafios na área da saúde, a questão do ensino e ainda a melhoria da justiça. Creio que estes são os principais desafios sociais que estão ligados diretamente aos desafios económicos do país. Por conseguinte os cabo-verdianos votaram numa mudança para verem de fato todos esses aspetos do seu bem-estar mudarem.

 


O seu Ministério, como falaremos ao longo da entrevista, tem responsabilidades adquiridas de outras estruturas ministeriais como o Ministério de Desenvolvimento Rural mas com novas pastas abrangendo a água e o saneamento, a segurança alimentar, o ambiente e a agricultura. Como é que o seu Ministério está a digerir esta assunção de funções numa única instituição? Qual é a organização do novo Ministério e quais são as instituições que dependem dele?

 


Nós temos efetivamente um Ministério que se alargou, tendo em conta que o governo optou por um formato de 1+11: o Primeiro-Ministro mais 11 ministros. Neste Ministério somos responsáveis pelo sector da agricultura e temos, naturalmente, o ambiente.

Nós temos uma estrutura que é a administração central que engloba essencialmente a agricultura, o ambiente, a administração, a cooperação e a gestão. Depois temos os serviços descentralizados. Neste caso em todas as ilhas praticamente temos delegações do Ministério, uma ou mais delegações em função do número de concelhos. Não corresponde exatamente ao número de concelhos, por exemplo, Santiago tem nove concelhos, mas tem só quatro delegações. O Fogo tem uma só delegação, mas em três concelhos. Santo Antão já tem duas delegações e tem três concelhos. E o resto, praticamente tem uma delegação por ilha, exceto a ilha do Sal que tem um núcleo a trabalhar para formar uma delegação formal que nós iremos criar.

 

Para além dos organismos que nós chamamos de organização direta, temos os organismos de organização indireta, tais como a Agência Nacional de água e Saneamento, o Instituto de Ação para o Desenvolvimento Agrário, o Instituto Nacional de investigação para o Desenvolvimento Agrário, o Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica e, para além disso, temos ainda uma empresa neste momento, a Sociedade Nacional de Engenharia Rural e Florestas, SONERF. Estes órgãos todos de administração indireta têm mais autonomia administrativa, patrimonial e financeira. É evidente que não completamente do ponto de vista financeiro, dependem ainda de alguns recursos que o Estado tem de colocar, que são sanções importantes. Ainda não têm autossuficiência, mas têm autonomia, mesmo que sejam tutelados pelo Ministro: o Ministro configura a estrutura, de um modo geral, do Ministério, sendo certo que há conselhos consultivos como o Concelho do Ambiente, o Concelho de Segurança Alimentar e o Concelho Nacional de Água e Saneamento.

 


Dentro dos “Compromissos para a Década” [programa eleitoral com que o MpD ganhou as eleições de 2016], e também nas conversas que já tivemos com diferentes Ministros, a sustentabilidade ambiental e o alinhamento com os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU tem uma grande importância. Qual é a visão do seu Governo da importância do meio ambiente no desenvolvimento social e económico?

 


A sustentabilidade pode ser disgregada em sustentabilidade ambiental, social e económica mas, de um ponto de vista muito prático, nós temos de ver a sustentabilidade como um todo. O conceito de sustentabilidade é um conceito que defende que as gerações atuais devem deixar um legado ás gerações vindouras que possa proporcionar-lhes o mesmo desenvolvimento. Ou seja, devemos usar recursos, mas não dando cabo das potencialidades existentes para o desenvolvimento de gerações futuras. 

Hoje, do nosso ponto de vista, não há que pensar no domínio: domínio de um país que domina outro, de uma camada da população que domina outra, interesses que dominam outros interesses. Hoje o paradigma maior é o paradigma do equilíbrio. E nós entendemos que é um paradigma que rima muito bem com todo o conceito de sustentabilidade. 

Nós temos que de fato ter um planeta Terra que seja capaz de continuar a proporcionar o desenvolvimento da Humanidade e é evidente que a Humanidade está preocupada, portanto, com este equilíbrio, com a distribuição justa dos recursos.

Nós temos um programa que desde logo foi desenhado tendo em conta os Objetivos de desenvolvimento Sustentável com indicadores e metas muito concretas que terão de ser medidas. Só assim também estaremos integrados na nossa região e no mundo.

Se for analisar as competências do Ministério da Agricultura e Ambiente, chegamos à conclusão que muitos temas, muitos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em Cabo Verde têm a ver com o nosso Ministério. Desde logo a questão da luta contra fome, da água, da agricultura assim como a questão do saneamento, a biodiversidade ou a desertificação.

Atuamos sobre vários objetivos e depois vamos de forma indireta, atuar sobre vários outros. Mas o mais importante é dizer que da forma como os objetivos do desenvolvimento sustentável foram definidos, ninguém deve ficar de fora, tudo está integrado como um todo. Cada um desempenha o seu papel, ninguém consegue atingir o seu objetivo sozinho. Isto é que é fundamental e nós entendemos que tem que passar pela descentralização das competências e poder.

 

Agimos conforme ao principio de subsidiariedade que consiste em levar as decisões para o mais próximo possível da população beneficiaria. Por conseguinte, nós entendemos que a mudança que os cabo-verdianos desejaram também tem a ver com isto: com o exercício do poder. O governo anterior centralizou demasiado várias competências e deveremos ir no sentido inverso: descentralizar mais e fazer com que de fato haja mais participação da população na tomada de decisões e que as decisões sejam mais céleres e que vão de encontro com as expectativas da população.

 


A maior indústria de Cabo Verde é o turismo, representando 24% do PIB e perto de 20% do emprego. Porém, como Sua Excelência o Primeiro Ministro Correia e Silva mencionou, é um sector que precisa de se diversificar para se expandir. Entre os sectores de expansão tanto o Governo como os profissionais do sector partilham da visão de que o turismo de natureza tem um potencial enorme. Quais são as virtudes com as que conta Cabo Verde, em termos de riqueza e de património natural para atrair o turista?

 

 

É necessário desenvolver o turismo, sobretudo para transformar o sector num sector mais robusto, mas é fundamental tirar proveito da diversidade que as ilhas de Cabo Verde oferecem. Nós somos dez ilhas e dez destinos diferentes. Temos muita diversidade de oferta para se explorar. Desde logo, nós temos todos os ingredientes ecológicos: temos ilhas montanhosas com paisagens fantásticas que poderão ser exploradas com miradouros naturais; temos ilhas com praias semidesérticas com ecossistemas marinhos acessíveis que também têm o seu grande encanto; temos um vulcão ativo no Fogo; temos praias paradisíacas; temos ilhas mais dinâmicas do ponto de vista cultural; outras do ponto de vista de negócios; outras ilhas que oferecem pacatez e tranquilidade. Tudo isto serve, no nosso ponto de vista, para oferecermos pacotes turísticos diversificados.

 

O ecoturismo seguramente deixará mais recursos nas ilhas e empregará muita gente contrariamente, muitas vezes, ao turismo de massa ou all inclusive, que também emprega muita gente, mas tem desvantagens do ponto de vista da economia local real. Nós entendemos que o nosso Ministério tem muito a ver com isto, porque nós temos as áreas protegidas que devem ser exploradas, geridas não só na lógica conservacionista, mas devemos ver a conservação também como uma forma de desenvolvimento económico através do ecoturismo.

Aliás, nós entendemos que as questões ambientais não devem ser vistos só do ponto de vista estreitamente técnico, mas como oportunidade de negócio. Daí que nós entendemos que as áreas protegidas devem ter um plano de negócio e uns investimentos acoplados que permitam efetivamente desenvolver a atividade turística voltada á visita a essas áreas e todo o negócio associado a elas.

 


A localização de Cabo Verde é uma das suas principais vantagens em termos económicos mas também traz ao país vulnerabilidade ambiental derivada das condições arquipelágicas, como a seca, a desertificação, ou a mudança climática. Quais são os principais desafios ambientais do país e que medidas está a implementar o Governo para superá-los?

 


Somos um pequeno país insular no meio do oceano e, como tal, temos ecossistemas bastante frágeis pois somos mais vulneráveis ás mudanças climáticas. Cabo Verde, apesar de ter microclimas que proporcionam os tais contrastes de que falei, é um país cuja média pluviométrica não ultrapassa dos 300 milímetros de chuva ano.

 

O grande desafio do país é definir medidas de política e de desenvolvimento que permitem a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e a adaptação natural ás mesmas tais como medidas que ajudem a redução da erosão do solo ou medidas que levem em conta a sustentabilidade da exploração das águas subterrâneas, sobretudo no sentido de evitarmos a intrusão salina. Deveremos considerar inclusive que, por efeito das mudanças climáticas, poderá haver também alteração do mapa epidemiológico do país, e portanto há um conjunto de alterações que preocupam as autoridades cabo-verdianas e preocupam de um modo geral os chamados Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (SIDS).

 

Nós, naturalmente, precisamos de consolidar as áreas protegidas e melhorar a nossa política de conservação. Sendo ilhas, nós temos também ecossistemas frágeis, temos uma biodiversidade que tem muitos endemismos que é necessário proteger. Somos ilhas visitadas por tartarugas, por baleias e é necessário também contribuir para a preservação dessas espécies no planeta.

 

A utilização racional da água também é importante, pois somos um país onde a água custa muito dinheiro e, portanto, há que gerir muito bem a água, o que continuará a ser um grande desafio do nosso país. Em termos de saneamento básico, ainda nem todas as famílias têm acesso à rede de esgoto e temos uma grande franja da população que não é servida por um serviço de saneamento líquido em condições. Ainda precisamos dominar melhor toda a gestão dos resíduos sólidos urbanos e outros resíduos, portanto, ainda precisamos de melhorar todo o nosso sistema de deposição, de recolha e de transporte, de tratamento e de valorização dos resíduos sólidos, numa lógica de economia circular. É algo que nós pretendemos fazer, até porque se quisermos desenvolver o turismo temos também que proporcionar um ambiente muito mais saudável.

 

A questão de utilização das energias renováveis é outro tema. Somos um país que tem já uma penetração razoável de energias renováveis mas há que aumentá-la. Tornar os investimentos que foram feitos sustentáveis e explorar bem os sistemas existentes, mas permitindo que as famílias possam produzir, com políticas públicas muito claras, e introduzir a sua energia na rede (micro-geração de energia). Devo dizer que Cabo Verde, sendo um país banhado de oceano, tem também a energia das ondas, tem o gradiente térmico que existe entre a superfície do mar e as profundezas do oceano que apresentam oportunidades ao nível das energias renováveis que devem ser exploradas. Sem contar com a energia geotérmica, que também representa uma oportunidade em Cabo Verde. Devemos nos pautar para a exploração de energias mais limpas e não depender demasiadamente das energias fosseis que importamos.

 

Para além disso, é preciso apostar na eficiência energética: nós não deveremos preocupar-nos apenas com a produção, mas deveremos preocupar-nos também com a utilização racional das energias. E isto acontece desde a escolha dos equipamentos que nós utilizamos. E trata-se portanto de grandes investimentos, não só, no acesso de determinadas tecnologias, no domínio dessas tecnologias, mas sobretudo nos recursos financeiros para nós podermos de fato investir nessas políticas.

 

Há, no entanto, toda a questão da mudança de atitudes e comportamentos por parte dos cabo-verdianos, pois é fundamental que os cabo-verdianos se sintam parte das soluções. E para isso nós temos que apostar muito fortemente na educação ambiental. Daí que os desafios são grandes, mas nós entendemos que é possível equacionar todos esses problemas com uma boa estratégia e muita disciplina na implementação da mesma.

 


O Senhor Ministro é também responsável da pasta de agricultura. Cabo Verde tem um sector agrícola pequeno comparado com os países da região, que representa cerca de 10% do PIB e cuja produção é de consumo nacional maioritariamente. Porém, tem produtos de alta qualidade que têm possibilidade de ser exportados para mercados mais exigentes. Quais são segundo o Senhor Ministro os melhores candidatos para a exportação dentro dos produtos agrícolas? Quais são os mercados de destino prioritários?

 


Com os 4033 km² que nós temos, com apenas 10% das áreas ditas agricultáveis e com meio milhão de pessoas que vivem em Cabo Verde, com as visitas dos turistas e a necessidade de assegurar dentro do sector turismo um mercado concreto para os produtos agrícolas, é evidente que nós temos que desenvolver uma agricultura muito mais técnica. Apostar, portanto, no aumento da produtividade e na produção. Isto vai implicar desafios muito grandes. Desde logo nós temos que ter a capacidade de fazer investigação e desenvolvimento para adaptarmos as melhores tecnologias à nossa realidade, com quadros capazes de assegurar que o país tenha de fato boas condições de produção.

 

Temos de apostar numa boa extensão rural que possa fazer a transferência de tecnologias para os agricultores, mas também que consiga assegurar uma boa qualidade da assistência técnica. Para tal temos de formar agricultores, embora ainda não tenhamos ensino profissional especifico do domínio da agricultura. O desafio deste governo é ajudar a criar escolas, que permitem formar de raiz gente com alguma capacidade para o sector da agricultura. Ganhamos com isto pois iremos ter agricultores formados mas, sobretudo, mais aptos a receberem novas tecnologias que permitam explorar com mais sustentabilidade os recursos existentes. O maior desafio neste caso é transformar a agricultura de subsistência numa agricultura de rendimento.

 

Cabe ao Estado ajudar a apostar numa agricultura de rendimento, e isso implica não só a produção,mas boas condições de comercialização e de transporte. Somos um país em que os agricultores têm pequenas parcelas agrícolas e, portanto, o agricultor individual não tem escala. Eles têm de se organizar e unir com os demais agricultores no sentido de sintonizarem melhor a sua produção e, conjuntamente, seguirem determinados segmentos de mercado com maior expressão para poderem assegurar a rentabilidade. Para tal caberá ao Estado criar as condições propícias para isso.

 

Mais de 80% de população em condições de pobreza vive no meio rural. E portanto, se nós quisermos mudar este fato teremos é que mudar pela via da agricultura. Se transformamos a agricultura num sector de maior rendimento, é evidente que estaremos a contribuir para a redução da pobreza no meio rural e este é um dos desafios importantes, sem contar com que o sector da agricultura contribui sobremaneira para a segurança alimentar e nutricional das famílias.

A água deverá ser utilizada com a maior racionalidade possível: produzir o mais possível com a menos água possível. Em Cabo Verde o sector da agricultura consome quase 80% dos recursos hídricos. Para o abastecimento da população utilizamos bastante água dessalinizada, por quê? Porque o grosso da população também vive nas zonas litorâneas e sob- litorâneas, que são zonas mais secas e com menos recursos hídricos. Deveríamos apostar muito na regeneração da água residual: tratar bem está água para reaproveitá-la para outros fins e contribuir para o bom balanço hídrico. Esses fins alternativos poderão ser a construção, a lavagem das ruas, a produção de plantas ornamentais que dá emprego para muita gente, os jardins públicos e determinadas culturas. Com a mesma água que nós temos, poderemos fazer muito mais.

 


Para finalizar, qual é a massagem que o Senhor queria transmitir aos potenciais investidores e leitores em relação a porque eles tem que confiar seus investimentos em Cabo Verde?

 


Que venham visitar o nosso encanto de país insular com todas as suas especificidades. Nós temos oportunidades de investimento na floricultura, na horticultura voltada para o turismo, na pecuária, na produção de ovos, produção de carnes para alimentar todo o sector turístico, na transformação agropecuária -desde produção de queijos, a produção de vinhos, a produção e transformação de frutas e legumes. Há grandes oportunidades na produção de uma agricultura biológica voltada para o mercado de exportação com nichos muito interessantes. Também na aquacultura há oportunidades de investimento.

 

Cabo Verde é sobretudo um país de paz, de tranquilidade, onde a estabilidade política também pode proporcionar estabilidade ao próprio investimento e ao investidor, sem contar que nós podemos assegurar boas políticas no que diz respeito à segurança fundiária, do ponto de vista da segurança política dos negócios.
Que venham a Cabo Verde visitar o nosso pais e descobriram o grande encanto que há aqui.

 


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes.