Cabo Verde: Interview with Sua Excelência Janine Lélis República de Cabo Verde

Sua Excelência Janine Lélis República de Cabo Verde

Ministra de Justiça e Trabalho (República de Cabo Verde)

2016-09-19
Sua Excelência Janine Lélis República de Cabo Verde

O seu Governo, formado na sua maioria por ministros do partido Movimento para a Democracia (MpD), assumiu as suas responsabilidades em Abril 2016 depois de 15 anos na oposição. Quais são os desafios que Cabo Verde tem no futuro mais próximo em termos gerais?

O desafio do desenvolvimento económico e da geração de emprego foi o principal fator que motivou a votação da maioria no MpD nas últimas eleições. O país já é considerado de rendimento médio, portanto, com acesso mais restrito e limitado aos empréstimos internacionais o que significa que terá de gerar riqueza própria para poder alcançar os níveis de desenvolvimento de que precisa. Há todo um conjunto de mudanças que têm de ser feitas.
Devemos acreditar realmente nas opções de desenvolvimento económico pela via do turismo, fazer com que o país seja competitivo relativamente aos países com os quais compete no mercado e garantir que o investimento direto estrangeiro aconteça e em grande escala. Nós temos estabilidade política, temos democracia há 25 anos o que dota de atratividades ás nossas ilhas e, nas ilhas com mais tradição turística como Sal e Boa Vista, é perceptível o aumento dos investimentos. Mas temos que ir além disso; o governo deve encorajar os atores económicos a montar um sistema que seja produtivo para conseguir maior empregabilidade e que as famílias tenham mais rendimento melhorando a vida dos cabo-verdianos, que é a razão pela qual os governos existem e devem trabalhar.

Há vários outros desafios a outros níveis como o da segurança do país, e vamos garantir a tolerância zero à criminalidade para o qual o sistema judicial tem de funcionar bem para que seja perceptível para todos que o crime não compensa. Para isso temos que ter um sistema funcional.


Uma das primeiras coisas que o investidor procura na hora de decidir se investe ou não num pais é a estabilidade política. Cabo Verde tem alternância dos partidos no governo o que mostra força institucional, e um dos melhores resultados da África em qualidade democrática segundo a The Economist Intelligence Unit. O seu Ministério está também encarregado do processo eleitoral. Nestes meses o país vai votar duas vezes, nas 22 autarquias do 4 de Setembro e nas eleições presidenciais do próximo 2 de Outubro. Como está o seu Ministério a trabalhar para garantir a máxima clareza e igualdade nos próximos processos eleitorais para manter o bom nome de Cabo Verde em termos que qualidade democrática?

Desde a Constituição em 1992 e, em especial, após a revisão do código eleitoral de 2010, todas as matérias em relação ao processo eleitoral exigem uma maioria qualificada de 2/3. Significa que as opções são assumidas pelas forças políticas. Com exceção das duas primeiras legislaturas do multipartidarismo, nenhuma força política teve a maioria de 2/3 do Parlamento. Quando fizemos a revisão da Lei Eleitoral em 2010, nenhum partido tinha mais força que o outro: o PAICV não podia legislar sem o MpD assim como o MpD não podia legislar sem o PAICV. A formatação do processo eleitoral foi o resultado do acordo dos partidos políticos pelo que já há uma base para que as coisas funcionem bem.

À parte disso, quem garante um bom financiamento das eleições em termos de logística é a DGAPE [Direção Geral de Apoio ao Processo Eleitoral], que está com o Ministério da Justiça. A DGAPE faz todo o processo para garantir que tudo esteja pronto para as eleições: desde a contratação de tintas indeléveis e a feitura dos boletins até a divulgação dos resultados. Porém, existe também a CNE [Comissão Nacional de Eleições] que é autónoma é independente, com orçamento próprio, portanto não depende do governo. Ela é quem supervisiona todos os processos. É dirigida por um magistrado judicial e os membros que a compõem são escolhidos pela Assembleia Nacional por maioria qualificada de 2/3 o que garante esse equilíbrio. Depois, nós temos as Comissões de Recenseamento que funcionam em todo Cabo Verde e também na diáspora, compostas por representantes de todos os partidos que se fiscalizam mutuamente.

O grande desafio neste momento é as eleições na diáspora onde há lugar para a melhoria porque a dispersão dos eleitores não ajuda. Passada esta fase de eleições, é intenção do governo que parte do processo que é agora assumido pela DEGAPE passe para a CNE. Naturalmente que passará pela aprovação de uma nova Lei Eleitoral que exigirá também o acordo de todos os partidos políticos, portanto, a maioria necessária de 2/3 da Assembleia Nacional.


Emprego é fonte de rendimento; trabalho é fonte de vida. A Senhora Ministra além do dossier da Justiça tem sob a sua responsabilidade o Trabalho. Porém, o Senhor Ministro da Silva Gonçalves tem a responsabilidade de Emprego. Poderia nos explicar como se organiza essa divisão de responsabilidades e qual é a lógica dessa divisão?

As minhas responsabilidades como Ministra de Trabalho ficam ao nível da Direção Geral do Trabalho e da Inspeção do Trabalho. As competências da Direção Geral do Trabalho essencialmente são de mediação nos pré-avisos e avisos de greve, de fiscalização das condições de trabalho, a questão das convenções coletivas de trabalho ou a proteção contra a violação dos direitos dos trabalhadores.
Nós queremos que haja mais emprego, mas também queremos que o ambiente laboral seja propício ao desenvolvimento da carreira e à promoção do mérito.


Recentemente o Executivo tem se envolvido numa polémica com uma das centrais sindicais, a União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde-Central Sindical (UNTC-CS) por o Executivo ter convidado o outro grande sindicato, a Confederação Cabo-Verdiana dos Sindicatos Livres (CCSL), para a conferência à conferência anual da OIT. Como é a relação com os agentes sociais, trabalhadores e empresários e como pensa o Governo melhorá-la?

Nós defendemos o princípio de igual tratamento em relação ás centrais sindicais. Nós temos no país 2 centrais sindicais. Ao nível das entidades representativas dos empregadores chegou-se a um consenso há muito tempo em que participam rotativamente nas reuniões da OIT, alternando a Câmara de Comércio, Industrias e Serviços de Barlavento (CCISS) com a Câmara de Comercio, Industrias, Agricultura e Serviços de Barlavento (CCIASB) ano após ano.
A conferência da OIT é vista também como uma possibilidade de formação, de aquisição de conhecimentos, de troca de experiências, de cooperação, de networking e é o Estado quem assume as despesas do encargo. A nossa política é do pluralismo sindical e de garantir ás centrais as mesmas oportunidades, o que não vinha acontecendo já que só tinha participado uma única central sindical ao longo dos último onze anos. Aqui impera o Estado de Direito e o pluralismo desde abertura política de 1992, e práticas de exclusão como essa não são benéficas. Nós queremos que todos compreendam que ninguém vai ser privilegiado, assim como ninguém vai ser discriminado. O que queremos é estabelecer o bom diálogo em prol e beneficio dos trabalhadores.


Falando dos investidores, estrangeiros ou locais, uma das coisas mais importantes para eles é a segurança jurídica. Ninguém investe num pais onde os seus investimentos não são garantidos por um sistema de justiça independente e confiável. Quais são as garantias em Cabo Verde para uma Justiça independente? Qual é a sua mensagem e visão sobre a segurança jurídica em Cabo Verde?

Desde a revisão de 1992 a Justiça no país é independente. Os tribunais são independentes, os juízes são independentes, não há interferência politica nos tribunais. Em 2011 fizemos um conjunto de reformas para modernizar a Justiça e garantir a sua cada vez maior independência em relação ao poder político e tudo em matéria de Justiça exige a maioria qualificada de 2/3 na Assembleia para ser aprovado.

Neste momento os dois Conselhos Superiores, de Magistratura judicial e do Ministério Publico, são os que dirigem as duas magistraturas. O Ministério tem a responsabilidade de garantir e gerir a política de Justiça na perspetiva de alterações legais e propostas legislativas e investimentos a fazer. A gestão da magistratura e das secretarias judiciais corresponde aos dois conselhos superiores, o Conselho Superior de Magistratura Judicial e o Conselho Superior do Ministério Público.
A segurança jurídica é fundamental. Um investidor deve saber ao fazer um investimento num determinado país que se algo não correr bem, a Justiça deste país funciona bem para salvaguarda-lo. Temos uma compreensão de que a melhoria do ambiente de negócio é fundamental para atrair investimento, e que esta depende do bom funcionamento dos serviços e registos da Justiça. A demora nos tribunais é uma preocupação que temos e estamos a trabalhar para acelerar o tramito processual para que a Justiça seja perceptível e eficaz.
A transação comercial começa nos cartórios e nos conservatórios (se compra um terreno pede a realização da escritura no cartório, depois faz-se o registo na conservatória). É fundamental que essas instituições sejam munidas de competências técnicas para efetivamente garantir essa segurança jurídica.
As pessoas precisam sentir que a Justiça está próxima, sentir que podem confiar na Justiça e que esta é capaz de dar as devidas respostas.


Em termos de Justiça, a cooperação internacional é vital. Falamos com o Ministro de Administração Interna dos desafios em relação aos temas da droga e crime organizado, mas a Senhora falou há pouco tempo na cimeira com os seus parceiros do Grupo Intergovernamental de Ação Contra o Branqueamento de Capital (GIABA) do branqueamento de capitais e dos desafios e medidas que Cabo Verde está implementando para o país sair do regime de acompanhamento reforçado por parte do Grupo de Ação Financeira (GAFI) para o regime de seguimento regular. Poderia nos explicar esses desafios e os planos do Governo para superá-los e ganhar credibilidade internacional na luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo?

Neste momento o nosso desafio é conseguir a adesão ao regime de seguimento regular, que é fundamental para a troca de informação. Quando não se tem a inscrição neste grupo, essa troca de informação não acontece.

O país está organizado. Nós temos uma Unidade de Informação Financeira, que faz a análise das informações e passa para as instituições a informação do conteúdo delas para a sua investigação. Essa luta está diretamente ligada com a luta contra o narcotráfico. O poder efetivo e o empoderamento financeiro e económico que os narcotraficantes têm vem da sua capacidade de branquear o dinheiro. Há todo um esforço de fazer para evitar esse branqueamento e por isso o funcionamento desta unidade é fundamental e nós estamos a seguir as regras internacionais impostas. Neste momento estamos virados para o empoderamento da Policia Judiciaria que é a polícia a qual compete as investigações dessa natureza para chegar a outros níveis de desempenho e de resolução.

A cooperação, como dizem, é fundamental, não só para essa troca de informação, mas também porque Cabo Verde tem uma posição geoestratégica que não deixa de ser importante. Não deixa de ser uma vantagem competitiva no que respeito a atração do turismo etc., mas também atrai outras atividades ilegais e é nessa questão que a cooperação internacional é fundamental. Quando nós estamos a combater o tráfico nós não estamos só a combater o tráfico de Cabo Verde mas a combater o tráfico internacional e é nessa perspetiva que esse esforço tem de ser compreendido. Há determinadas matérias que as respostas tem de ser rápidas e a comunidade internacional tem que compreender que o esforço não pode ser só de Cabo Verde e têm que ter essa perspetiva.

Nós temos acordos de cooperação com a EU [União Europeia] e com as Nações Unidas, através da UNODC [United Nations Office on Drugs and Crime] Estamos satisfeitos com o nível de cooperação que o país tem tido ao longo dos anos, mas em muitos desses casos essa cooperação traduz a nível de assistência técnica e de formação mas a nossas necessidades estão atualmente focadas na área orçamental.


A Senhora Ministra tem ampla experiência na liderança e na gestão ao nível internacional como membro do Parlamento Africano, Vice presidente da União dos Jovens Parlamentários Africanos e também como Vice presidente do seu partido, o MpD. Como a Senhora sabe, a nossa audiência é composta de CEOs, diretores e líderes políticos muito interessados nas experiencias de liderança e gestão: segundo a Senhora, quais são as características que fazem um bom líder e gestor?

A perspetiva de liderança tem de residir na capacidade de juntar todos os esforços e todas as energias para que o resultado perspetivado seja alcançado. Não pode haver vaidades pessoais. Quando se trabalha com decisões que são tomadas a nível colegial há que haver sensibilidade, percepção e compreensão de tudo tem que ser feito com cooperação intersectorial. Por exemplo, o bom desempenho do Ministro da Cultura é bom para mim, porque ele é parte do governo e o governo de Cabo Verde somos nós.

Acima de tudo, o que faz uma boa liderança é o fato desta saber potencializar a capacidade das pessoas ao máximo.

E eu penso que a liderança do MpD ao longo dos anos tem sido fundamental para o crescimento e desenvolvimento do país, tanto no período em que esteve na oposição, como nos períodos no poder. O MpD teve a visão quando se deu a abertura política de que o país precisava de uma viragem e conseguiu fazer com que todo o sistema fosse montado a partir de uma Constituição democrática a partir de eleições livres, transparentes e plurais. E concebeu o Estado de Direito que é o legado que hoje temos a obrigação de continuar garantindo a melhoria da qualidade de vida dos cabo-verdianos.
Um bom líder é aquele que perspetiva os ganhos da população. Um bom líder é aquele quem o que lhe interessa é o que ele vai fazer para a História, o legado que deixa para o seu país. Não na perspetiva de vaidade pessoal, mas numa perspetiva de resultados.

E eu penso que liderança é exigir que se faça mais e melhor é catapultar o país sempre para o outro nível, outro patamar como tem feito o MpD ao longo da sua história: com o acordo de cooperação cambial que nos garante a estabilidade da moeda e que nos dá essa margem competitiva em relação a atração do investimento; com a montagem do sistema judicial que foi fundamental; com a forma como foram montadas as primeiras eleições livres e transparentes de 13 de Janeiro de 1991, liderada pelo Movimento para a Democracia; com as leis que vieram permitir que pudéssemos ter autarquias; com as privatizações na era passada e agora quando é um dos nossos grandes desafios. Tudo isto sem cair no populismo.


Para finalizar, qual é a massagem que a Senhora queria transmitir aos leitores em relação a Cabo Verde?

A nossa liderança é uma liderança forte para transmitir confiança, que é fundamental. Qualquer cabo-verdiano precisa ter confiança para contribuir para esse desenvolvimento dado que o país somos todos nós.
Agora compete aos líderes traçar o rumo para que as pessoas se sintam como parte neste processo de desenvolvimento, participem e sintam que cada um contribui da sua forma. Os desafios são enormes, mas a boa vontade existe.
O grande desafio que se coloca neste momento é o do financiamento da economia e o esforço tem que se dirigir para a atração do investimento direto estrangeiro. O país tem de fazer toda a caminhada para garantir que isso aconteça e fazer com que o sector privado, atrelado a esse investimento externo, possa crescer possa se consolidar e que, como consequência, tragam os benefícios da empregabilidade, da educação e da saúde para todos.


An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes