Mozambique: Interview with Antonio Mandlate

Antonio Mandlate

Diretor Executivo (Fundo de Fomento Pesqueiro)

2016-06-20
Antonio Mandlate

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes


Moçambique tem um potencial de crescimento invejável para muitos dos seus países vizinhos e do resto do mundo. Segundo o Sr. Mandlate, quais são a principais vantagens de Moçambique comparado com os países da região do ponto de vista económico?


Moçambique é um país abençoado, no sentido que tem muitos recursos naturais e muitos deles estão ainda por explorar. Temos, por exemplo, além dos recursos minerais os recursos pesqueiros. Hoje, ao nível da aquacultura de pequena escala estamos a produzir por volta das quarenta mil toneladas por ano. Ao nível das empresas e das fazendas não chega a duzentas mil, num país que tem potencial para produzir acima de um milhão toneladas por ano.

O país podia estar a ser beneficiado deste recurso disponível mas acaba por importar uma grande parte. No caso por exemplo do carapau, importamos cem mil toneladas para cobrir o défice. É uma situação que com recursos nacionais podia se resolver investindo na aquacultura: hoje estaríamos em condições de cobrir o nosso défice mas também para  exportação. Por exemplo, na albufeira de Cahora Bassa, nós temos a produção da carapau e tilápia que é exportada para os países vizinhos como República Democrática do Congo, a Zâmbia, ou o Zimbabué pelas comunidades.

Só o consumo ao nível das pescas da implantação da fábrica de processamento de gás em Palma (Cabo Delgado) vai aumentar o consumo de pescado na região tendo em conta o numero de pessoas que vai aumentar na região. Cabo Delgado é uma zona com um potencial de peixe que não é suficientemente capturado. Exemplifica o que acontece com nosso pais: por um lado tem recursos mas por outro lado não há investimentos necessários para aproveitá-los nem, principalmente, o know-how, para fazê-lo.
Portanto, do ponto de vista de recursos o país tem o potencial e o que precisa é de aumento de investimento e mais formação para dar resposta a estas necessidades.


O Sr. Mandlate é responsável de uma administração chave no sector das pescas como é o Fundo, um sector que é muito importante para o país e que tem um potencial promissor. Qual é a importância do sector comparado com o resto da economia em termos de emprego, PIB e exportação?

Neste momento em termos de PIB o sector pesqueiro representa dois a três por cento, mas isso é resultado do fato de não produzirmos o correspondente ao nosso potencial.

Com o novo ciclo governativo criou-se o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pesca que também vai abraçar outras atividades que antes não faziam parte do sector, como o planeamento e o exercício da autoridade do Estado no mar e outras oportunidades de melhorar o aproveitamento dos recursos.

Para este ciclo, este quinquénio, o sector definiu como prioridades a promoção da aquacultura, com destaque para a piscicultura porque se acredita que, melhorando as instalações, melhorando também a qualidade das comunidades podem-se produzir em quantidade suficiente  para abastecer o mercado.

Para isso construímos um Centro de Pesquisa e produção em Aquacultura em Chókwè que será um centro para orientar a produção. Espera-se que com o funcionamento desse centro de pesquisa possa se impulsionar a produção, sobretudo nas comunidades. Hoje há um movimento grande das comunidades na abertura dos tanques e esse processo precisa ser acompanhado por um lado pelas tecnologias necessárias e da qualidade e por outro da formação das pessoas para o próprio manejo dos tanques. O objetivo é de converter a aquacultura de subsistência em uma aquacultura comercial.


Só para termos uma ideia, neste momento a aquacultura que existe é exclusivamente de subsistência?

Tem algumas empresas comerciais mas três ou quatro na zona de Tete. Em Maputo tem em Matutuíne, mas sem muita contribuição para o mercado.

O nosso maior desafio é que as pessoas acreditarem que podem ganhar dinheiro praticando a aquacultura. Ainda é feito em moldes de um ou dois tanques, mas depois não passa disso. O sector está a tentar transmitir é que o negócio da aquacultura também dá dinheiro. E a estratégia que o sector esta a adoptar é de criar um acua-parque, uma em cada província, onde haverá investimentos públicos para ter a parte privada a usar os tanques, que poderá também contar com outro tipo de apoios do Estado. O objetivo e que depois disso, outros, vendo os resultados e os casos de sucesso, queiram empreender e embarcar na aquacultura também.


O Fundo tem por objectivo apoiar financeiramente as ações que visam estimular o investimento privado em áreas consideradas prioritárias. O Sr. já falou da aquacultura como área prioritária, mas quais são as outras áreas prioritárias para o investimento do Fundo?

Ao nível da própria pesca, ressaltaria a pesca do atum. Até digamos à um ano só existia um barco nacional a pescar o atum. É uma pescaria que por muitos anos nem alguns armadores se apercebiam que era uma boa oportunidade. Estavam todos virados para o camarão onde já tinham um mercado assegurado, o europeu, mas quando em 2007 a indústria camareira começou a ver os problemas da sobre exploração os armadores vira, que deveriam diversificar para novas pescarias. É um exercício que passa necessariamente por uma adaptação da frota. A frota, já obsoleta, é uma frota adaptada para um determinado tipo de pescaria e, em algumas províncias como Nampula, Cabo Delgado, os pescadores artesanais também apanham o atum, mas não tem um aproveitamento devido, por causa da falta de adaptação da frota e da própria conservação, em termos do próprio tratamento. Hoje o camarão é uma pesca fechada e tem a frota acima daquilo que é recomendável. Para as empresas não fecharem as portas estas devem ser bem orientadas para outras pescarias e diversificar.

Por outro lado, a pesca artesanal -hoje acima de 85% do total da pesca em Moçambique é feito pelo pescador artesanal, este fato faz com que haja níveis elevados de perda e conservação. A maioria destes, atuam entre uma a duas ou três milhas. Nessa zona, por serem tantos, é preciso empurrá-los mais lá para dentro para algumas zonas que ainda têm potencial. Por isso nós introduzimos o processo de monitorização, de aquisição de motores. Já podem ir acima de 6-7 pessoas a sete milhas e isso em algumas zonas tem mudado substancialmente o volume de captura.

Uma outra prioridade é a organização dos próprios pescadores artesanais. Hoje fazem desembarque ao longo de toda costa. Há um plano de, no futuro, criar-se zonas onde o Estado crie infraestruturas, desembargadores, áreas de conservação para, no futuro, em vez de ter a preocupação de ir ao mar e depois procurar vender, poder trazer o pescado num sitio em que há condições de desembarque e imediatamente poder incluir o peixe na cadeia de valor para o processamento. Este desafio de identificar algumas zonas estratégicas onde se vai montar os desembargadores e outras infraestruturas é também uma parte das prioridades para que os pescadores artesanais saiam do artesanal para o semi-industrial.


Poderia explicar à audiência como é que o Fundo atua? Quais são as modalidades e instrumentos de financiamento?

O Fundo tem tido projetos ao longo da costa como o projeto virado para a pesca artesanal chamado “Pro-Pesca”. Dentro deste projeto está previsto a construção de várias infraestruturas de apoio à pesca, inclusive centros de pescas que tem problemas de estradas, de energia, de aceso ao mercado.

Também existe uma linha de crédito, na qual o Fundo atua indiretamente no sentido de que o Fundo vai ao Tesouro com quem tem um contrato. O Fundo vai buscar o dinheiro ao Tesouro e depois tem de repassar as instituições micro-financeiras. Aqui o objectivo é também vincular os pescadores a uma relação comercial e financeira.


Então tem um banco entre o beneficiário final e o Fundo?

O Fundo promove um concurso em que as instituições financeiras têm acesso a esta linha e vão financiar aos pescadores em vários centros de pesca para os pescadores terem acesso aos recursos o que permite praticar taxas de juros mais baixas que o preço do mercado.
Estas micro-finanças, para além de ir só para pesca, começam a financiar a piscicultura.

Temos um projeto já aprovado e em processo de implementação. Vai ser para a aquacultura e pesca nas águas interiores, abarcando as províncias de Manica, Zambézia e Tete. O Fundo vai cuidar dessa parte do crédito, tem que procurar estabelecer parcerias de modo que as pessoas sejam bem treinadas e depois façam o acompanhamento deste.

Mas também nós temos património herdado dos projetos anteriores: temos dois estaleiros um na Matola e outro em Quelimane, que neste momento estão com problemas de produção, e que estamos a trabalhar com parceiros interessados de modo que num futuro próximo possam ser duas empresas para serem construção naval. Assim, ligaríamos a esta nossa preocupação de que os pescadores artesanais possam evoluir para uma situação de semi-industrial, mas também os semi-industriais, que a maior parte deles estão descapitalizados e mais ligados à indústria de camarão, possam contar com estaleiros e  assim renovar a sua frota.


Por outro lado, o Fundo tira sempre os recursos do Tesouro ou tem também parceiros como a banca e o sector privado?

O fundo recorre a diversos recursos não só do Tesouro. Por exemplo, nós estamos a passar agora para as micro-finanças. Assinámos agora um contrato em Janeiro e Fevereiro que vai ter um período de um ano em que emprestamos o dinheiro agora e só no próximo ano é que eles têm que começar a pagá-lo. Então, a ideia é que se crie capacidade de um lado com um dinheiro que pode servir de rotação mas também como nós temos a divida com o Tesouro, vamos ter que devolver, pagar uma parte.


Qual é a capacidade do Fundo?

Nos projetos de pesca artesanal que tem uma duração de 2011 à 2018, temos previsto $1.3 milhões para linha de crédito, com a possibilidade de ser reforçado.
O outro projeto que também que é para aquacultura e pesca nas águas interiores tem um valor de $3.9 milhões e uma vigência de cinco anos.
Para além disso, no passado o Fundo já teve projetos dessa natureza integrados nesta componente e com estes recursos para micro-finanças.
O Pro-Pesco abrange toda a zona da costa, com 30 centros de pescas mais desenvolvidos que são designados polos de crescimento onde essas micro-finanças atuam por conta do sector privado. O Fundo nestas zonas não tem de atuar por que estaria a fazer concorrência a estas micro-finanças. Mas, por exemplo, em Niassa, onde não tem nada, o Fundo é que tem de intervir com recursos próprios procurando colmatar aquelas zonas do país onde não tem projetos privados.

Em termos de volume a carteira é estimada em por volta dos duzentos e sessenta e dois milhões de meticais. Desta carteira, naturalmente a uma parte em que tivemos dificuldade para ser recuperada. Em algum momento tivemos problemas com beneficiários que pensavam que toda ação praticada por uma entidade pública como nós era um donativo. Para que as pessoas se apercebessem que é uma relação comercial levou algum tempo. E é por isso que a nossa intervenção hoje tem que ser por via indireta que é para as pessoas realmente se aperceberem de que é dinheiro do Estado e tem que ser devolvido.


A prioridade do Fundo é o estimulo do investimento privado moçambicano. Porém, há oportunidades para o investimento estrangeiro no sector pesqueiro? Quais?

Esta questão que falei dos estaleiros, nós precisamos realmente de poder contar com estaleiros que a nível internacional tenham já a sua credibilidade no sentido que um armador não vai meter um barco sem ter certeza da qualidade do trabalho que vai ser prestado.


Como o Fundo comunica e divulga essas oportunidades no exterior?

Temos nos servido do Centro de Promoção de Investimentos que é a entidade que divulga as potencialidades que existem. Estamos a trabalhar com eles no aprimoramento de alguma informação, por exemplo, neste caso específico dos estaleiros, como é que podemos melhorar a informação para depois divulgar. Já houve também entidades de fora que nos contactaram interessados por esses estaleiros.


Também o sector pesqueiro tem ultimamente, uma imagem um pouco negativa. Moçambique tem enchido as noticias da imprensa internacional nestas últimas semanas com o escândalo da dívida da EMATUM, a degradação no rating das agências e a polémica com os empréstimos ocultos de outras empresas públicas e o FMI. O Governo tem implementado uma ação coordenada exterior para melhorar a confiança no país. Qual é o papel da administração pública como a sua nessa tarefa de reconstrução da confiança internacional no Moçambique e apoio á marca Mozambique no exterior?

Eu penso que a mensagem de confiança virá quando a EMATUM comece a produzir resultados.

Os vinte e um atuneiros estão a ser readaptados o que permitira que a empresa rapidamente obtenha benefícios. Um aspecto que na minha opinião julgo negativamente na tarefa desta empresa é que o atum é uma pescaria nova pela que o país não está tecnicamente preparado do ponto de vista de infraestruturas portuárias, por exemplo. E esse é o exercício que esta a ser feito hoje, mesmo em termos de formar pescadores, marinheiros, e toda essa equipa.
Eu penso que este exercício de reestruturação que o Governo está a investir, poderá ditar o melhor custo-operação para a empresa. E se a empresa está melhor restruturada, provavelmente, vai superar a situação.

O governo já disse que está aberto à procura de parceiros que conhecem essa pescaria porque o maior problema é esse. O atum esta lá. Aqui nos portos não temos toda uma infraestrutura para aguentar com toda aquela preparação que é necessária, só pensando no caso de atracagem dos barcos.

Outras pescarias também há potencial ai e não estão totalmente exploradas. Por exemplo, em Cabo Delgado temos o banco São Lazaro em que os estudos apontam que ainda tem potencial. O que é preciso é que tenha frota a altura para ir buscar essas pescarias.

Na minha opinião o problema tem a base em como nós lançamos a exploração do recurso pesqueiro. Por exemplo, nós temos uma Escola de Pesca na que hoje, não há especialistas para esta pescaria, nem capitães, nem marinheiros. Ai está o problema, na capacitação. Nós não tínhamos preparado toda base logística, digamos assim, de conhecimento.

O importante é encaramos o problema e dar-mos a volta. O Governo já o demostrou quando o Primeiro Ministro comunicou a situação da divida, dizendo que o Governo esta aberto a procura de um parceiro estratégico. Eu tive a ocasião de algum momento trocar impressões com algumas empresas espanholas que mostraram claramente como se podia dar a volta ao assunto, os cuidados a ter, as necessidades, as tecnologias que são necessárias. Mas o primeiro que temos que fazer é ser transparentes com a situação e comunicarmos com nossos parceiros nesse sentido. É o que o Governo está a fazer, e as viagens do Primeiro Ministro a Washington e do Presidente a Bruxelas e Berlim assim o têm demostrado.


Como o Sr. Mandlate sabe, a audiência da Harvard Business Review é composta principalmente de CEOs e de decisores políticos interessados na gestão e na direção. Com a sua experiência do Fundo, quais são as lições e aprendizagens que valoriza mais da sua etapa como cabeça do Instituto?

A gestão de uma entidade como o Fundo é uma atividade muito gratificante no sentido que, por um lado, temos de servir de motor para que o sector privado possa efetivamente criar riqueza; mas por outro lado, como entidade pública, temos de assegurar com que toda a comunidade tenha acesso a aquilo que são os nossos meios disponíveis, porque também é uma parte dos impostos dos cidadãos.

Por vezes há este conflito, encontrando essas saídas: vamos buscar recursos ao Tesouro, mas as instituições micro-financeiras terão de praticar taxas de juro bonificadas porque não são aquelas do mercado, e por outro lado teremos que fazer um outro exercício aos nossos mutuários, treinados para eles poderem entrar no mercado, o que beneficiará a uma determinada comunidade.

Estamos a falar de cerca quatrocentos mil atores que atuam na cadeia de valor da pesca artesanal desde carpinteiros, comerciantes, mecânicos, os próprios pescadores e, dentro dos pescadores, temos uns com barcos e outros sem barcos. Tem que se ter uma consideração da situação geral da indústria mas ter atenção para apreciar as necessidades de uma comunidade especifica e dos atores da indústria da pesca dessa comunidade para beneficiá-los ao mesmo tempo que se beneficia a indústria no seu conjunto, contribuindo ao mesmo tempo para o desenvolvimento do país e bem-estar dos moçambicanos.


Para finalizar, qual é a mensagem que o Sr. Mandlate quer transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação a Moçambique e as oportunidade de investimento no seu sector?

O Governo já veio a público para pedir desculpa ao povo moçambicano e as instituições internacionais e seus parceiros pela situação vivida. Continuamos firmes, podemos mostrar o nosso carácter, mas assumindo a responsabilidade de que se cometeram erros que têm que ser corrigidos. O país esta firme para superar as dificuldades.
Em relação aos nossos parceiros internacionais eu pediria que nos ajudassem naquilo que é o maior flagelo que nós temos que é este conflito político-militar sem sentido. Somos um pais já com dificuldades derivadas do fato que, ciclicamente, temos as cheias e as secas. Para além, disso vem um conflito desnecessário, no sentido em que ele é protagonizado por uma organização como a Renamo, que tem assento parlamentar.
Essa é daquelas coisas em que só nós, próprios moçambicanos, temos a responsabilidade de solucionar, mas a comunidade internacional pode apoiar-nos e chamar à consciência das partes. Hoje temos refugiados no Malawi sem razão de ser. Temos perturbações na economia: os empresários não podem usar os camiões do sul, para o centro e para o norte o que estrangula toda a economia; muita gente, com essas perturbações, não viajam nem se deslocam. Mesmo assim, nós estamos a dar crédito em zonas em que não se tem a certeza de que vamos ter o retorno por causa da situação de conflito, porque é a nossa tarefa, ajudar o povo a superar nesta particular situação.
Porém, tenho a certeza que nós vamos superar as dificuldades como já fizemos antes em momentos difíceis.