Mozambique: Interview with Sua Excelência Agostinho Salvador Mondlane

Sua Excelência Agostinho Salvador Mondlane

Ministro do Mar, Águas Interiores e Pesca (Ministério do Mar, Águas Interiores e Pesca)

2016-07-11
Sua Excelência Agostinho Salvador Mondlane

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes


Moçambique tem um potencial de crescimento invejável para muitos países da região e do resto do mundo. Segundo o Sr. Ministro, quais são a principais vantagens do Moçambique comparado com os países da região de um ponto de vista económico?

A primeira grande potencialidade, que é numa área renovável e sustentável, é a área do agronegócio. Moçambique tem um grande potencial em termos de terras aráveis por explorar, para desenvolver a agricultura, para produzir alimentos para o país e para exportar na região e em outras partes do mundo.

Temos também um grande potencial nas zonas pesqueiras não exploradas. A nossa costa tem 2,700 km de comprimento e na Zona Económica Exclusiva há muitas potencialidades pesqueiras ainda não exploradas. A maior parte da exploração pesqueira tem sido feita ao longo da costa pelos pequenos pescadores. Em mar aberto temos pouca presença ainda, e isso reflete-se numa baixa exploração de vários tipos de peixe, com destaque para o atum.

Além disso, na pesca de espécies selvagens, temos potencial de produção em maricultura: aquacultura em gaiolas ou junto à costa em tanques. Estou a falar do camarão, de bivalves e de algas para a alimentação e para a produção de medicamentos.

Abordando o mar, a terra e as massas de águas interiores, a grande vantagem que temos é que o nosso estado do ambiente e dos ecossistemas que é saudável e limpo. O que nos traz alguns desafios pois na exploração  destes recursos devemos introduzir boas praticas ambientais para mantermos esse bom estado ambiental.

A juntar-se a todas estas vantagens de Moçambique temos o potencial desenvolvimento industrial, em vários tipos de industria que seriam canalizadas pelo desenvolvimento da industria dos hidrocarbonetos em Moçambique. Essa mesma industria seria um grande catalisador também para a exploração de recursos renováveis como agricultura, aquacultura e pescas.


Já faz mais de um ano desde que o novo governo se formou. Segundo o seu ponto de vista, quais são os principais sucessos do governo neste primeiro período?

O primeiro grande sucesso é que Moçambique conseguiu uma taxa de crescimento, apesar das dificuldades, internas e internacionais, de 6,1% do PIB.

Além disso, tratou-se de um ano que, no sector, fizemos um realinhamento na abordagem dos assuntos do mar. Como sabem, Moçambique cria pela primeira vez desde a Independência em 1975 a área do mar. A verdade é que as atividade do sector do mar estavam a ser executadas por várias entidades de uma forma dispersa. O Presidente Nyusi tem entendido a importância do mar e a necessidade de se promover um desenvolvimento integrado e sustentável e decidiu criar pela primeira vez o Ministério do Mar, Águas Interiores e Pescas, e a nossa primeira grande preocupação é a exploração sustentável dos recursos.

Uma das áreas de ação é a catalisação de esforços para a área dos hidrocarbonetos. Esses recursos naturais explorados no mar por vários atores, precisam de uma certa ordem para que a exploração não leve á danificação dos ecossistemas marinhos. A primeira preocupação é a sustentabilidade ambiental: a exploração ao longo prazo dos recursos numa economia azul, integral e renovável.

Para isso, ao longo do ano passado trabalhamos na estruturação e na criação legislativa que desse corpo a essa área. É verdade que o processo de produção de instrumentos legais continua a partir desse substrato criado no ano passado, e estamos a trabalhar na coordenação de vários intervenientes no sector do mar, incluindo aqueles que vão ao mar para explorar os seus recursos e também aqueles que fazem as suas atividades através do mar.


A pesca do camarão faz ¾ das capturas de pesca anuais, mas nos últimos tempos tem se reduzido das 10,000 toneladas a apenas 3,000. Quais são as causas dessa queda? Quais são os planos do governo para contrariar esta queda?

Efetivamente, o país já atingiu as 10,000 toneladas de camarão de superfície –diferente do camarão de profundidade. No ano passado, a captura foi de 3,000 toneladas. Os últimos 3 anos a média foi de 3000, partindo desse pico de 10,000 toneladas. Quando o sector se apercebeu disso, começou a tomar uma série de medidas regulamentares e de gestão efetiva para reverter a situação
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Por um lado, de acordo com as pesquisas, a situação resulta da sobre-exploração. O esforço de pesca estava acima do recomendável de o ponto de vista bio-económico, de forma que se capturaram quantidades que não permitiam assegurar a reprodução do camarão de superfície.

Por outro lado, por causa de uma certa ação humana nas zonas estuarinas: como sabemos, o camarão e outras espécies se reproduzem em zonas de mangais, que prestam serviços muitos importantes na reprodução de espécies marinhas.
As populações ao longo da costa incorreram em práticas de corte de mangais para fazer carvão vegetal como fonte energética de uso doméstico e, por outro lado, usaram artes de pesca nocivas por desconhecimento.

Como resposta, o Governo desenhou uma série de programas para lidar com as comunidades que vivem ao longo da costa e, sobretudo, dos estuários que são áreas santuário para a reprodução dos peixes e outras espécies. Esses programas estão a ocorrer também em coordenação com parceiros internacionais, junto com programas de educação das comunidades e de um reforço da fiscalização nessas zonas, para desencorajar essas práticas nocivas.
O Governo implementou também um programa de reflorestamento dos mangais, para que possamos recuperar esses ecossistemas tão preciosos.
Medidas administrativas de redução do número de embarcações que se dedicam à pesca do camarão, incluído a imposição  do tempo de veda: a partir de novembro até o fim de março, é proibido pescar camarão de superfície, com penalizações para quem infrinja as regras. Além das medidas educativas e de sensibilização, temos que tomar também medidas de dissuasão para proteger os recursos e o meio ambiente.


O novo governo tem a promoção da aquacultura como bandeira como indústria chave para satisfazer a procura interna. Quais são os planos de desenvolvimento do sector? há oportunidades para o investimento estrangeiro dentro desse sector?

Estamos a ultimar o Plano de Ação de Desenvolvimento da Aquacultura. Nós temos a Estratégia de Desenvolvimento da Aquacultura, que fala da aquacultura comercial.
Até agora desenvolvemos a aquacultura de subsistência: em águas interiores um camponês pode ter um ou dois tanques de cria de tilápia. Nós queremos levar a aquacultura para adiante: o potencial de produção soma mais de 4 milhões de toneladas por ano, contanto com o mar e as águas interiores.

Para conduzir a Estratégia no terreno, estamos a elaborar o Plano de Ação. O Plano distingue vários tipos de aquacultura, como a aquacultura de desenvolvimento, que inclui a sustentabilidade ambiental e socioeconómica. Neste sentido, trata de transformar junto os camponeses a aquacultura de subsistência, de autoconsumo, numa aquacultura de produção comercial como vetor de combate à pobreza no campo.

Temos a aquacultura no mar e na costa, em gaiolas, como aquela do camarão tigre, com o que temos uma experiencia na Zambézia: uma empresa francesa que está a desenvolver esta atividade e que é um grande investimento.
Tanto em terra como no mar há espaço para o investimento privado em acua-parques industriais. Ainda a semana passada recebemos uns empresários japonese que vão investir na província de Gaza junto o rio Limpopo que vão ser mais de 100 hectares para a produção de tilápia para exportação. Também há interessados da África do Sul na mesma área.

Temos potencial para combinar aquacultura industrial e aquacultura de pequenos produtores em todo o território. Estamos a promover fortemente o sector privado. Tratasse de uma área que não é muito conhecida em termos de tecnologia para nós e estamos a trabalhar com outros países que já têm mais experiencia nesta industria no sentido de investir em Moçambique em parceria com produtores locais e que o Estado tenha já os inventivos fiscais regulamentados para promover o investimento e a facilitação de aceso a terra -fazer a identificação dos terrenos e que seja reserva do Estado para que o investidor, quando chegar, podamos concessionar a terra do Estado ao privado e poder produzir. O objetivo é que o investidor não tenha que negociar e que seja fácil para ele produzir e contribuir à segurança alimentar e nutricional do pais.

Estamos muito em baixo da media africana de consumo de peixe, 18 kg por pessoa e ano. Nós estamos em 12 kg. Nossos desafio até o fim da legislatura é atingir os 15 kg per capita e ano.
Temos que mobilizar as comunidades, incentivar o sector privado, mobilizar os recursos financeiros para que o sector pesqueiro ganhe visibilidade e contribua para o crescimento do PIB, para a segurança alimentar, para a exportação e o equilíbrio da balança comercial.


O Sr. Ministro e o Governo em geral dá muita importância à capacitação. Qual é a importância que segundo o Sr. Ministro tem a educação e formação no desenvolvimento do sector das pescas?

Damos muita importância ao saber fazer. Moçambique passa, neste momento por uma conjuntura económica e financeira não favorável.  E esta situação só pode ser superada com o desenvolvimento da produção.

No caso da aquacultura, temos potencial, mas falta-nos a técnica e a tecnologia. Para tal fazemos muitas viagens aos países que têm experiencia nesta área para aprender o know-how e poder trazê-lo e desenvolver a nossa indústria. No caso da aquacultura da tilápia, estamos a concluir em Chókwè na província de Gaza, um laboratório de pesquisa de melhoramento genético da tilápia com o Fundo Comum da Noruega e da Islândia, para acelerar o crescimento do peixe num ambiente condicionado. Termina a construção este ano e estará a funcionar no inicio do próximo ano. De acordo com os parceiros, virão especialistas de outros países para mostrar aos nossos biólogos e veterinários como trabalhar para o melhoramento genético. Este conhecimento será transmitido ao sector privado e ás comunidades, associações, cooperativas, etc. para que participem no desenvolvimento sustentável económico, social e ambiental.


A polémica com a EMATUM tem enchido os jornais internacionais e nacionais mas a informação que chega nem sempre é acertada ou justa. Gostaríamos de ter a sua versão do que aconteceu com a empresa pública. Qual é o estado atual da frota, das capturas e as perspectivas de futuro da empresa e do sector do atum?

Moçambique tem indiscutivelmente um grande potencial na pesca do atum. Temos 5 a 6 meses de pico de maior produtividade por ano e como o atum é migratório, migra pelo Canal de Moçambique e pelo Índico. Durante estes 5 a 6 meses pescamos na costa e depois temos que persegui-lo pelo oceano. O potencial é multo alto e temos estado a licenciar navios estrangeiros de pesca do atum, mas estes navios não contribuem para a criação de emprego e aumento do PIB em Moçambique porque pescam off-shore.

Dentro disso, temos os planos de internalização: os barcos licenciados estrangeiros que pescam off-shore, têm que fazer a pesca seguindo as regras do Estado de porto, que é uma norma aprovada pela FAO de obrigatório cumprimento. Todo o pescado apanhado no mar territorial de Moçambique tem que ser declarado no porto mais próximo. Alguns parceiros não estão a fazer isso e estamos a trabalhar com eles no sentido de os fazer cumprir estas regras.

Falando da EMATUM, é uma empresa que já tem embarcações em condições. Quando chegaram as embarcações, não estavam preparadas para as condições da pesca do atum no país, o que criou uma dificuldade no inicio das atividades da empresa. Agora estão preparadas. O ano passado a empresa fez uma pesca experimental que deu muito bem, e o 80% das capturas foram exportadas, o resto ficando no mercado nacional.
A empresa tem uma administração própria, e já teve solicitações de dealers estrangeiros que precisam do atum. O grande desafio é que EMATUM esteja a trabalhar a todo vapor para que produza dentro das enormes possibilidades que tem para satisfazer os compromissos financeiros.
A EMATUM tem 24 barcos agora: 21 de pesca de atum e 3 de apoio logístico. Os barcos estão a funcionar mas tinham alguns problemas que o fabricante está já a solucionar, também no sentido de cumprir com as condições higiénico-sanitárias que são muito exigentes no caso do atum.
Como Ministério que tutela a área das pescas, estamos a trabalhar com a EMATUM no sentido de possibilitar que a empresa começa a produzir e que assim possa honrar os compromissos da dívida com os parceiros financeiros.


Moçambique tem enchido as notícias da imprensa internacional nestas últimas semanas com o escândalo da dívida da EMATUM, a degradação no rating das agências e a polémica com os empréstimos ocultos de outras empresas públicas e o FMI. O Governo tem implementado uma ação coordenada exterior para melhorar a confiança no país com as viagens a Washington e à UE. Qual é o papel do Ministério na tarefa de reconstrução da confiança internacional em Moçambique e apoio à Marca Mozambique no exterior?

O nosso Governo está a trabalhar para melhorar a confiança no país. O Primeiro Ministro foi deslocado a Washington para falar com o FMI e o Banco Mundial assim como com parceiros americanos para esclarecer estes temas polémicos. Também estamos a comunicar com os nossos parceiros de Moçambique cá dentro.
Já foi esclarecido que uma parte das dívidas contraídas através da EMATUM foi para a pesca e, outra parte, para meios de proteção da costa. Precisamos disso para a pesca do atum, mas também para outros sectores. Sem isso, a Anadarko ou a ENI não poderiam trabalhar na extração do gás no norte. Anos atrás tivemos o problema da pirataria que descia da costa de Somália, que culminou no rapto de um barco pesqueiro na nossa costa. Uma das medidas do Governo para reestabelecer a segurança do mar, para que as empresas, incluídas as empresas de pesquisa de recursos, foi aumentar a proteção costeira. Uma parte da dívida contraída pela EMATUM foi nesse sentido e é assumida pelo Estado. A parte restante, é a parte comercial e tem que ser paga pela própria produção de EMATUM e é a parte que esta reestruturada.

Da divida total do Estado, EMATUM significa ao 10%. O 90% restante se destinou a infraestruturas económicas e sociais como estradas, pontes, transporte de energia, escolas e hospitais.
Estamos a discutir sempre da dívida mas nunca sobre como fazemos para pagá-la. Vamos a falar de melhorar a nossa produção para aumentar as receitas do Estado e pagar a divida!
É verdade que a divida tem que ser contraída com total transparência para saber onde foi destinado esse dinheiro, mas não há um pais que não tenha divida. Mesmo um empresário, para investir, tem que se comprometer com a dividida que vai pagando a medida que vai produzindo. O importante é que a divida seja sustentável, e Moçambique tem potencial para honrá-la com o potencial agroindustrial, no sector pesqueiro e da aquacultura ou no turismo.

Para mi, como foi explicado pelo Primeiro Ministro, a conjuntura económica se explica também pela conjugação de vários fatores internos e externos. Como exemplo, a queda do preço do carvão no mercado internacional nos últimos 3 anos: 2014 e 2015 foram os piores, precisamente quando o pais começou a exportar carvão, o que afeta sobremaneira o desempenho do pais. As dificuldades financeiras não se explicam só com a divida da EMATUM, mas também pela queda do preço das commodities e mais fatores.
A lição é que temos que diversificar a economia e trazer as tecnologias para poder produzir aqui e diminuir a tensão cambial produzida pela queda do metical, diminuindo as importações e exportando.


O seu Ministério tem uma tarefa de gestão transversal: o mar é uma via de comunicação e transporte, no mar encontramos ecossistemas que devem ser protegidos, as fronteiras marítimas devem ser defendidas, as águas interiores e o mar são uma fonte de energia. Como é a coordenação entre os diferentes ministérios nessa tarefas tão transversais?

Nós, neste momento começamos com a elaboração de instrumentos básicos de ordenamento do sector desde o ponto de vista institucional. Um desses instrumentos estabelece que temos a responsabilidade de coordenar a política estratégica do mar.
Começamos esse trabalho com um grupo intersectorial que inclui os sectores de trabalho no mar, trabalho através do mar e instituições de pesquisa envolvidas no mar no processo de elaboração da política estratégica. Este processo de elaboração partilhada vai nos trazer quais são as áreas estratégicas de intervenção e como fazer da parte do Governo para que seja uma intervenção coordenada com todos os intervenientes, nos aspetos legais, institucionais, etc.


O Sr. Ministro tem muita experiência na gestão, desde a sua experiência como Ministro das Obras Públicas ou Defesa Nacional até a responsabilidade atual de Ministro da Mar, Águas Interiores e Pescas. Como o Sr. Ministro sabe, a audiência da Harvard Business Review está composta principalmente de CEOs e de decision-makers, políticos interessados na gestão e na direção. Com a sua experiência, quais são as lições e aprendizagens que valoriza mais na sua etapa na frente destes vários Ministérios?

Eu, originariamente, venho do sector privado, depois fui nomeado Ministro de Obras Publicas. Após essa experiência, voltei para o sector privado. Passei também pelo Ministério de Defesa Nacional e agora tenho as responsabilidades do Mar, Águas Interiores e Pescas.

Eu sou um privilegiado, porque pude trabalhar no sector empresarial e no aparelho do Estado. A experiência número um que eu trago é que a atividade de gestão e feita através das pessoas. Nunca é possível dizer que algo foi feito graças a mim é sempre graças à equipa. Eu sou uma pessoa que se relaciona com os colaboradores de forma quase informal, sem protocolos. Porque temos que fazer as coisas acontecer, e isso só é possível através das pessoas. Temos que delegar a clareza da missão para que o objetivo seja assimilado e atingido.

Também precisamos ter o retorno do que as pessoas pensam quando estamos a fazer algo. Temos que incentivar que as pessoas pensem e que tenham pensamento critico, as pessoas não são robots. Tem que se perguntar frequentemente o porquê das coisas serem como são e se há uma alternativa melhor. Temos que fugir do pensamento passivo e promover o pensamento crítico.

Outra grande aprendizagem é que uma instituição como um Ministério tem responsabilidades com os cidadãos. Um Ministério tem que ser gerido como se de uma empresa se tratasse. Mas o lucro, neste caso, não é o dinheiro mas o bem-estar dos cidadãos. Temos que pensar em custo-benefício, porque gastamos o orçamento do Estado e o ganho em termos de bem estar tem que valer a pena para justificar o gasto. É uma mudança de mentalidade que tento motivar em todos os meus colaboradores para que pensem criticamente se o trabalho que fazem, os recursos públicos que eles gastam, são aproveitados em termos de beneficio para a sociedade.
Encorajamos a autoavaliação com a implantação do Acordo de Desempenho para os empregados públicos: um compromisso com metas claras e com avaliação ao fim de ano no sentido de atingir este objetivo de trocar a mentalidade para que o objetivo seja o serviço publico de qualidade.