Mozambique: Interview with Sua Excelência Joaquim Alberto Chissano

Sua Excelência Joaquim Alberto Chissano

Presidente da República de Moçambique (1986-2005) (República de Moçambique)

2016-06-27
Sua Excelência Joaquim Alberto Chissano

An interview conducted by Alejandro Dorado Nájera (@DoradoAlex) and Diana Lopes

 

Moçambique tem um potencial de crescimento invejável para muitos países da região e do resto do mundo. Mesmo agora com a desaceleração e as dificuldades, o potencial económico e cultural está muito presente em Moçambique. Sua Excelência foi Presidente da República por muitos anos, segundo a sua experiência, quais são os passos que Moçambique tem que dar para continuar a consolidar-se como líder regional?

O primeiro passo seria fazer a continuidade da mobilização de todas as forças vivas do país para se empenharem na valorização dos recursos naturais e evidentemente dos recursos humanos existentes, isto é, desenvolver os recursos humanos por ação do Governo para que estes se desenvolvam por si próprios. O homem e a mulher são o primeiro e o grande potencial que o pais tem, pois são pessoas que gostam de aprender e trabalhar. Estes, porém, precisam de um pouco mais de orientação, esta que a podem adquirir através de um processo de estudo e aprendizagem, mas também com o melhoramento progressivo das diferentes lideranças, tanto do governo assim como do sector privado. Este e o primeiro potencial.

 O segundo potencial são os recursos naturais, que dependem dos recursos humanos, começando pela agricultura. A agricultura foi sempre definida como a base da economia de Moçambique, e penso que ela vai continuar a ser por muito tempo. A agricultura precisa sofrer algumas transformações, no que diz respeito à maneira de a praticar. Não se deve apenas produzir os produtos agrícolas, mas também incluir a componente da sua transformação. Os agricultores devem ser envolvidos numa cadeia de valores. Há que se quebrar o mito de que quem quer morrer pobre deve ser agricultor. Se a maneira de fazer agricultura for diversificada, acrescentado valor dos produtos, o agricultor pode ser tão rico como outros trabalhadores.

Temos em Moçambique imensos recursos faunísticos e da flora que devem ser bem geridos, e acredito que, um dia, o turismo será uma grande indústria em Moçambique.  

Temos ainda um Subsolo muito rico, infelizmente ainda pouco conhecido. Já se descobriram vários minérios tais como ouro, fosfato, entre outros. Ultimamente, os recursos que se revelam como de grande valor e quantidade são o carvão, o gás, areias pesadas, e o petróleo.

Essas são as potencialidades que o país tem e a maneira como eu as vejo.

Moçambique tem nestas últimas semanas, enchido os jornais internacionais com o escândalo da dívida da EMATUM, a degradação no rating das agências e a polémica com os empréstimos ocultos de outras empresas públicas e o FMI. Sua Excelência sabe as consequências que uma má imagem internacional pode ter para um pais em termos de percepção e confiança. Quais são as medidas que segundo a Sua Excelência devem ser tomadas em termos de reconstrução da imagem e da Marca Moçambique no exterior?

O que se tem a corrigir são os trâmites que não foram seguidos. Devido ao volume da dívida devia-se ter informado o FMI e a Assembleia da República.  

O que me agrada é que o governo está com sangue frio; a encarrar a situação de frente; abrindo todo o jogo da melhor forma possível. É um governo que não se esconde no facto de este contrato ter sido feito antes da existência deste governo, e assume a responsabilidade como governo deste pais e isso é agradável.

Pode haver um diálogo frutuoso com o FMI e com os doadores. Eu acho que os doadores devem ajudar o governo a pôr estas coisas tortas direitas. O Estado deve estabelecer medidas e mecanismos legislativos e de fiscalização a serem seguidos de forma a isso não ocorrer no futuro. Agora também temos que esperas as pesquisas para aclarar e depurar responsabilidades mas, sem cair na caça as bruxas, serenamente para apreender e evoluir.

Sua Excelência acha que a estratégia de comunicação para o exterior que o Governo está a seguir é a correta?

Eu penso que sim. A estratégia da comunicação para o exterior está a seguir um bom caminho o qual duvido que se possa fazer melhor. O facto de figuras importantes como o primeiro ministro, o ministro das finanças, terem saído para os Estados Unidos, e o Presidente da República ter ido a Europa para se exporem e falar com a franqueza com a que falaram demonstra uma boa capacidade de comunicação, pois é falando que a gente se entende.

Atualmente o país atravessa uma situação complicada com o conflito político-militar com a RENAMO . Sua Excelência tem experiência como arquiteto da paz quando foi Presidente da República. Quais são as lições neste sentido que Sua Excelência aprendeu e podem ser úteis no contexto atual?

O que se deve fazer é olhar para o futuro do país e procurar ter um presente cada vez mais calmo de forma a construir um futuro melhor.

A lição da História, não só a de Moçambique, mostra que a guerra nunca é ganha por si até ao fim. Há um certo momento em que se deve entrar em diálogo. Na Luta de Libertação de Moçambique tivemos uma vitória, mas mesmo assim tivemos que ir a uma mesa de negociações para marcarmos como acederíamos a independência, acordando a transição.

Na Guerra de Desestabilização imposta pelos regímenes minoritários e racistas da África Austral como o Zimbabué, Rodésia do Sul na época, também pusemos a necessidade de diálogo na frente. A guerra foi imposta na sequência do fracasso de dialogo também entre as forças de oposição no Zimbábue e o Ian Smith, que fez com que os países da Linha da Frente, que apoiam a Luta de Libertação de Zimbabué, Moçambique entre eles, decidissem apoiar o único recurso que os zimbabuanos tinham: a luta armada.
Porém, em Moçambique também continuou a luta diplomática com a imposição de sanções ao regime de Iam Smith como pediam as Nações Unidas (NU) ou a Commonwealth. Nós tínhamos as armas: o oleoduto, a linha férrea e a estrada que comunicava o porto da Beira com a Rodésia do Sul. Isso costou uma grande revolta do regime rodesiano mas o dialogo continuou aberto entre os regímenes racistas e os países da Linha da Frente e culminou com as negociações e a assinatura dos Acordos de Lancaster House graças aos mediadores das Nações Unidas, os ingleses e os americanos. Havia guerra mas também dialogo.
Tomámos a iniciativa de entrar em diálogo com as pessoas que dirigiam e apoiavam a RENAMO na Rodésia, Ken Flower, Chefe da Segurança da Rodésia do Sul e o Geral das Forças Armas da Rodésia do Sul, Peter Walls, para que as pessoas da RENAMO pudessem deixar as armas e voltar ao Zimbabué. No final não pôde ser implementado: Flower queria o implementar mas Walls levou os homens da RENAMO para a África do Sul.

Depois da independência do Zimbabué em 1980, foi a África do Sul e o Apartheid quem tomou a liderança da guerra proxy contra nós, na que eles também participavam na direção. De uma guerra concentrada no centro do país, passou a uma guerra também no Norte e Sul, protagonizada pelos veículos de guerra da África do Sul: a RENAMO.

Então tentamos falar com os mentores que os dirigiam, com o Apartheid. Pensávamos que o diálogo era necessário tendo em conta a potência da África do Sul. O diálogo deu num acordo em que o próprio Apartheid, na figura do Ministro de Assuntos Estrangeiros, fazia a mediação entre nós e os chamados na altura de rebeldes, mas aqui as posições da RENAMO fizeram com que fracassáramos e depois, com formas indiretas de contato, fomos tentando o diálogo, culminando com o Acordo de Roma de 1992.

As conversações duraram 2 anos enquanto a guerra continuava. A RENAMO não deixava as armas e o governo não podia deixar que o povo fosse massacrado e as infraestruturas destruídas, tinha que se defender, mas falando ao mesmo tempo.

Depois de assinar a paz com a RENAMO, o tarefa que o pais tinha na frente era enorme em termos de reconstrução depois do conflito e, ao mesmo tempo, Moçambique estava se transformando duma economia planificada a uma economia de mercado e dum sistema monopartidista a um multipartidista. Como foi essa transição e quis foram o maiores obstáculos e desafios que encontrou como Presidente da República?

A paz nunca é completa quando olhamos para todas as dimensões. Houve calar das armas, e pensamos que a paz seria criada no processo do desenvolvimento econômico e social no qual todos estavam chamados a participar.
Depois, nas primeiras eleições multipartidárias de 1994, fizemos uma campanha contra nós, chamando e promovendo os ideais de liberdade de escolha e lutando contra o medo da população de votar pelo nosso adversário, a RENAMO em vez de assustar a população. Era um internamento para a democracia.

A nossa missão principal era a reconstrução nacional.
De 1975 a 1982 avançamos muito economicamente. Áleas 1980 Samora Machel estava a ver a década próxima como a década da vitória sobre o desenvolvimento. Estávamos a avançar mais, por causa desta guerra, perdemos 2/3 desses ganhos conseguidos. Durante os primeiros 5 anos depois das eleições, ficamos na tarefa de reconstruir o destruído. Anteriormente, tinha incentivado a abertura do país para a economia de mercado e decidi ser candidato em 1994 e tentar liderar o país porque não podia saltar fora nesse momento de aprendizagem, nesse desafio com duas novidades: multipartidarismo e economia de mercado.

Multipartidarismo não foi uma cosa que a sociedade estava habituada.  Para mudar para o multipartidarismo tivemos um processo de consulta à população com a didática necessária e a resposta da população era que não precisavam multipartidarismo, escolheu monopartidarismo. A abertura ao multipartidarismo foi uma decisão antidemocrática que nos impusemos com o argumento de que se há uma maioria de pessoas que se pronunciam pelo monopartidarismo, essa maioria não pode contrariar a vontade da minoria que quer formar partidos porque estão no seu direito e a maioria não pode ir contra os direitos da minoria. Também não podemos viver numa ilha e o mundo estava a mudar para o multipartidarismo.
A prova de que as pessoas não estavam ansiosas pelo multipartidarismo é que demoraram 3 anos a aparecer novos partidos. Os Acordos de Roma preconizava que as eleições deviam se realizar um ano depois da assinatura, mais tivemos que esperar à RENAMO porque não estava pronta e as NU ficaram 2 anos aqui quando tinham que ficar somente um ano.

Tínhamos que reconstruir o país, combater a pobreza, consolidar a paz e criar as bases para o desenvolvimento. Por isso intensificamos a relação com instituições de Bretton Woods e com os USA (foi a partir já da visita de Samora Marchel em 1983 com Reagan que começamos melhorar as relações e a ter ajuda ao desenvolvimento em vez de ajuda humanitária ) e com a CEE.
A paz pressupõe desenvolvimento e o desenvolvimento pressupõe a paz. O nosso trabalho era fazer as duas coisas em conjunto, ao mesmo tempo. Consolidar a paz criando desenvolvimento.

A Fundação Joaquim Chissano tem como missão a elevação do nível e qualidade da vida económica, social e cultural dos moçambicanos. Quais são as principais contribuições da Fundação para essa missão?

A paz não se pode alcançar só com palavras. Quando os meus colegas me deram a ideia de criar uma fundação, aceitei e conversamos sobre qual deveria ser o foco dela. Decidimos que o foco devia ser a paz, que pressupõe o desenvolvimento das pessoas.
Não se faz paz com estômagos vazios.

O combate contra  a fome é vital. O governo tem um plano vasto, mas achamos que as forças vivas da sociedade civil deviam completar a tarefa do governo trabalhando com as comunidades para, junto a elas, tentar promover uma cultura de paz na maneira de viver, de se organizar. Aliamos a paz ao desenvolvimento.

Quando as pessoas estão juntas tem uma base também espiritual, não no sentido religiosos mas cultural, que os une. As várias facetas culturais do nosso país criam a cultura moçambicana que é a maneira de ser do moçambicano, aquilo que nos identifica. Na Fundação, queremos acrescentar essa cultura com a dimensão paz. Que não é separável da unidade nacional, da solidariedade, da identidade moçambicana e da moçambicanidade.
Neste país há varias tribos, etnias, regiões, raças mas fomos construindo o sentimento de ser moçambicano desde a Luta de Libertação. Como nos USA, onde vivem muitas pessoas doutros países, mas eles identificam-se como americanos, nós, durante a Luta Libertação Nacional, conseguimos criar Moçambique.
Faz pouco tempo estive numa reunião de ex-combatentes, com pessoas de todo o pais, mas eles se identificavam como moçambicanos, todos partilhamos essa identidade comum que queremos promover.

Trabalhamos também muito com crianças para que sejam pessoas de paz, promovendo o contato com outras pessoas de outras culturas, como o projeto Planeta de Amigos, através das possibilidades das novas tecnologias.
Mas também com adultos temos projetos para promover outras facetas do desenvolvimento, como na área da agricultura onde existe um potencial enorme, ajudando na formação dos camponeses na gestão, na produção, no processamento, no acrescentamento do valor, no marketing etc.

Sua Excelência tem sido reconhecido com vários prémios internacionais e foi Presidente da República durante 19 anos, sendo arquiteto da paz, da democracia e da abertura da economia. Como Ex-Presidente também tem lutado pela igualdade entre homens e mulheres e contra qualquer forma de discriminação. Com a trajetória que Sua Excelência tem, como gostaria ser lembrado?

O melhor é que se lembrarem de mim como combatente da luta pela libertação do país, essa é a primeira coisa. Eu gostaria muito se não se esquecessem disso. Mas também podia ser lembrado por ter dirigido o processo da pacificação do país depois desses vários anos de lutas entre irmãos, embora causadas por forças externas, e ter introduzido as reformas que introduzimos no campo político e económico no nosso país abrindo-o à economia do mercado e, ao nível político à democracia multipartidária e como consequência, poder facilitar a reconstrução do pais.

Para finalizar, qual é a mensagem que Sua Excelência quer transmitir aos potenciais investidores e leitores da HBR em relação a Moçambique?

Poderia fazer um apelo para que os amigos de Moçambique de ontem que continuassem a ser amigos de Moçambique. Não é pelo surgimento de um erro que se devem distanciar, antes pelo contrário, devem solidarizar-se para que Moçambique possa corrigir qualquer erro ou obstáculo para continuar o seu progresso. Moçambique tem todas as condições para contribuir para o progresso do mundo e da humanidade. Juntos podemos melhorar.